Quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente

Atualizado em 19/02/2019

O assassinato da Marielle me deixou bolado. Ele me lembrou de um discurso da autobiografia do Dr. Martin Luther King Jr. que começa dizendo que “se você nunca achou nada tão querido e próximo que valha a pena morrer por, você não está apto a viver”. Eu acho isso forte demais.

Eu não imagino que a Marielle chegou, literalmente, a fazer essa escolha de morrer ou continuar defendendo as causas que ela defendia, mas com certeza ela sabia das possibilidades e mesmo assim escolheu continuar lutando.

Assim como fez Dr. Martin Luther King Jr. É preciso um nível de entrega, de verdade, de força interior muito grande pra isso. E se você acha que eu estou exagerando ao comparar os dois sob qualquer perspectiva, você devia conhecer um pouco melhor quem foi Marielle Franco.

E isso me fez pensar, de uma maneira muito triste, no que eu tenho feito pelas coisas que acredito. Mais ou menos no tom que o Rashid usa em “Primeira diss”, eu me perguntei: “que que cê fez pelo rap, além de meia dúzia de post em um site, hein?”.

Eu sei da força que o Vai Ser Rimando tem em propagar informações e sei da importância que isso tem pra qualquer movimento, mas será que, exatamente por saber dessa força, eu tenho feito o suficiente pra ajudar da maneira que eu poderia ajudar? Será que eu tenho dado a minha vida, mesmo que de forma não literal, pelas coisas que eu acredito?

Com certeza, não. E o que me deixa mais frustrado é que há alguns anos eu escrevi um post que falava um pouco sobre isso e, de certa forma, cobrava os leitores a “trabalhar pelo crescimento do Hip Hop”, sendo que, claramente, eu mesmo não faço mais isso.

A gente tem um costume bem escroto de cobrar das pessoas coisas que nem a gente mesmo faz direito ou se faz se sente no direito de exigir que todos façam, mesmo que aquela talvez seja uma visão momentânea. É tipo você se tornar vegetariano aos 30 anos de idade, por exemplo, e, a partir disso, ficar indignado que as outras pessoas não sejam. Porra, você acabou de tomar essa decisão; você também passou 30 anos não sendo!

O rap tem muito disso e tenho certeza que a maioria dos outros movimentos também. Existe toda uma cobrança para que as pessoas façam parte e, a partir do momento que são parte, deem tudo de si por aquilo, sem espaço pra qualquer outra coisa.

Acho que o básico pra fazer essa discussão caminhar de forma inteligente é entender que as pessoas, na grande maioria dos casos, não estão no mesmo momento de suas vidas que você está. É igual às músicas do Síntese: se você não tiver na mesma sintonia que eles, cê vai entender porra nenhuma.

Existe um certo perigo em bradar atitudes necessárias para pessoas que não estão na mesma pegada. Por exemplo, acho que não foi muito feliz da minha parte requerer das pessoas uma dedicação ao hip hop quase em tempo integral apenas porque, naquele momento, eu vivia dessa forma, sem ressaltar que eu sempre fui fruto de inúmeros privilégios (homem, branco, heterossexual, classe média no interior de SC).

Como cê vai cobrar de alguém, mesmo que de forma indireta, que largue tudo por algo que você praticamente não precisou largar nada pra fazer? É bem verdade que se você ficar se preocupando com como vão interpretar o seu conteúdo, você provavelmente produzirá nada. Ainda assim, é preciso ter certa responsabilidade.

Rola muito ego em meio aos movimentos, imagino que dos mais variados tipos e propósitos; rola muito de o cara mais engajado achar que só o rolê dele faz diferença e que quem não participa ativamente, com atitudes diretas, que está lá no front, serve pra nada. Defendem que se você não “vai pra rua”; não dá a cara pra bater em todas as oportunidades possíveis, você não faz parte do movimento.

Isso rola até na própria música quando cê chama todo mundo de modinha porque você escutava tal rapper muito antes, frequentava os shows quando ainda era underground e os carai. O mais curioso é que esse tipo de atitude pode vir a acarretar mais “problemas” do que o comportamento que você tá criticando.

É claro que irrita qualquer um se matar por uma parada e ver alguém que faz praticamente nada por ela afirmar com todas as letras o quanto faz parte daquilo, mas os movimentos normalmente passam por isso e é preciso entender o momento de cada um e enxergar o quanto aquela pessoa pode cooperar.

Às vezes, se a pessoa mais engajada refletir sobre a questão pode encontrar um propósito muito maior de engajamento para essas pessoas que se engajam pouco; podem transformar esse engajamento, mesmo que ínfimo, em algo de valor quando somado a outros parecidos.

Acho que já saí demais da questão principal do post, mas pareceu importante ressaltar que você pode “fazer algo” pelo rap mesmo sem atuar ativamente. Você não precisa ser um rapper, um produtor ou algo assim tão próximo, até porque muitos destes se distanciam a cada nova música que lançam. É um bagulho bem subjetivo, pra falar a verdade.

E isso vale pra outros movimentos também.

Quanto a mim, acho que me distanciei muito de onde eu gostaria de estar em relação ao hip hop e a todos os propósitos que acreditava e ainda acredito, pra falar a verdade.

A execução da Marielle me mostrou, da pior maneira possível, o quanto ainda precisamos lutar e as palavras do Dr. Martin Luther King Jr. me fizeram ver o quanto a gente precisa sim lutar por isso e não só apenas aceitar que existe uma luta a ser lutada.

Quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente, e que milhões de Marielles em todo mundo se levantariam no dia seguinte. (Retirado do site Marielle Franco).

Ainda é sim preciso encontrar as causas pelas quais você daria a sua vida. Elas existem e precisam de pessoas engajadas tanto quanto antes. Não se deixe levar pelos poucos ganhos obtidos, ainda há muito pelo que lutar. O dia seguinte chegou!

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