No “Dia da mulher”, Marcello Gugu faz homenagem com vídeo de inédita “Milagres”

Atualizado em 10/03/2014

Neste sábado (8), “Dia Internacional da Mulher”, Marcello Gugu lançou vídeo com uma poesia inédita, intitulada “Milagres”.

No formato spoken word, no qual a letra ganha muito mais destaque, como foi em “Até que enfim, Gugu“, o rapper destaca a importância da emancipação feminina.

“É um dia dedicado à mulher, mas pouca gente se lembra das mulheres que fizeram esse dia existir. Acredito que de mil pessoas, se cinco delas souberem o nome de uma tecelã da fábrica Cotton, que pegou fogo, é muito. Os nomes colocados dentro do spoken word são reais, são histórias que aconteceram. Quis fazer com que os nomes delas viessem pra minha geração e que fossem passados adiante para que a histórias dessas mulheres não fosse esquecida”, explicou.

Pra reforçar ainda mais a lembrança às 129 mulheres que morreram asfixiadas pelo incêndio em 1911, homenageadas pela data, as filmagens foram feitas em uma antiga fábrica no bairro do Bom Retiro, em São Paulo.

Diferente do que a gente havia anunciado, quando falamos que “Indireta” seria o primeiro clipe de Gugu, este é o seu primeiro trabalho audiovisual oficial; consequentemente, o primeiro depois da oficialização da parceria com a VEVO Brasil.

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O vídeo de “Milagres” foi feito em uma parceria do Chocolatee Studio e a Lado B Produções.

Abaixo cê confere a letra da poesia:

Dizem que virgens que choram sangue são consideradas milagres, então posso deduzir que a filha da minha vizinha deve ser santa, pois sangra de três a quatro vezes cada vez que o padrasto a toca. Ela tem 9 anos. Nenhuma igreja quis canonizá-la. Ninguém acreditou nas historias delas.

O medo costurou seus lábios com linhas feitas de vergonha e confusão e ela que adorava a Disney se transformou na princesa Anastácia.

Seu silêncio era uma burca. Tão brutal quanto mutilação genital. Ela era Asha Haji Elmi e sua libido foi cortada centímetro por centímetro com um caco de vidro. 

O bicho papão existe. E morava no quarto ao lado e cada vez que via seu padrasto se aproximando era Emily Davison vendo o cavalo do rei Jorge V no Derby Epson Downs. Seu voto era por castidade e ela se jogaria na frente do animal sem pensar. 

Cada vez que ele a tocava, seus músculos em espasmos se transformavam em um prisioneiro de Auschwitz e escreviam em sua carne: se existir um Deus, quando eu chegar no céu, ele terá que me pedir perdão de joelhos.

Cada vez que chorava, era Hasnah Mohamed Meselmani e suas lágrimas de cristal refletiam todas as mulheres que já quiseram ser um copo de cerveja, ao perceberem que essa era a única coisa que seus parceiros seguravam com carinho.

Às vezes pensava que Deus e a Morte estavam jogando baralho, pois nenhum dos dois lhes dava atenção quando ela os chamava.

Jack Estripador teria mais compaixão. E se morrer significasse esquecer, sua paz seria uma amnésia eterna.

Ela gostava de maquiagens, por isso, viu o punho do seu padrasto pintar em seu rosto sombras em tons de lilás que nem Djavan imaginou quando escreveu a canção. A cor púrpura foi inspirada em seus hematomas. Alice Walker vivia em suas cicatrizes. 

Sua esperança era Waris Dirie e queimava em seu peito como pontas de cigarro. Era uma flor no deserto, cujo olhar foi Abeer Qassim Hamza na frente dos 5 soldados americanos, que a transformaram numa nota de rodapé nos autos dos crimes de guerra. “Ninguém perguntou, nós não falamos”. Iraque devia ser seu quarto, pois nada do que aconteceu lá o mundo ficou sabendo. 

Suas unhas eram teboris, com elas criou verdadeiras obras de arte na tentativa de arrancar da pele o cheiro do seu padrasto. Seus sonhos, tratados como as bruxas de Salem na inquisição queimavam como o edifício Joelma e ela sabia que havia perdido mais um pois, por dentro, queimava como fogo e por fora pingava denso como cera de vela.

Ouvir sua voz era quase o mesmo que ver Helen Keller brincando de soletrar, sua tristeza era tão grande que era como se as palavras fossem pingos de tinta diluídos num copo cheio de lágrimas. A mágoa diluiu tanto seu timbre de voz que suas cordas vocais tiveram que aprender a linguagem dos sinais.

Mas cada vez que falava não! era como se Joana D’arc berrasse ao mundo a historia das irmãs Mirabal no meio da Marcha das Vadias, era o coro das Las Mariposas contra Trujilo e era Rosa Parks se recusando a se levantar dentro do ônibus Montgomery.

Cada vez que dizia não! era Nisia Floresta escrevendo conselhos a minha filha, era Madonna e Valesca Popozuda cantando sobre liberdade sexual da forma mais explícita possível e 400 mulheres no Miss América queimando seus sutiãs.

Mas, numa paz talibã, cada vez que dizia não! seu coração, que era Maria da Penha, se transforma em Amina, a afegã, e o apedrejamento foi inevitável. 

Cada tapa soava como as trancas das portas da fábrica de tecidos Cotton, e hoje, 8 de março ela morreu sufocada. 

Silencio não é consenso. Sua história se repete em outros corpos, em outras casas, em outras comunidades. 

Ela é a jovem indiana condenada a ser estuprada pelo crime de se apaixonar. É a garota de Nova Deli que foi violentada num ônibus e atirada dele em movimento em 2012. Ela é uma saia mais curta e a idéia imbecil de que o estupro é ou foi culpa dela. E ela é as vítimas de violência doméstica, cujo as queixas morrem como as mesmas, em silêncio, na sombra do esquecimento e beirando a inexistência.

Entender o feminismo é mais do que entender que uma mulher é estuprada a cada seis minutos, é mais do que entender que a cada 18 segundos uma mulher é espancada ou que três em cada quatro mulheres serão vítimas de pelo menos um crime de violência durante a sua vida.

Entender o feminismo é entender que algumas mães fazem papel de pais por que um homem não foi homem suficiente. É entender que o termo sexo frágil só seria utilizado se vasos de porcelana transassem e que a cólica da TPM é uma dor reflexo causada pela postura curvada que vocês ficam por muitas vezes carregarem o mundo nas costas.

Entender o feminismo é compreender que viemos de uma mulher. É respeitar a história de vida da sua mãe. É ver que mulheres são capazes de despertar a inveja em Shiva, pois o que fazem com dois braços, Shiva não faria com cem. É entender que a vida de cada mulher é uma luta e que a história de cada uma, poderia ensinar para as árvores sobre o que é ser raiz. Entender o feminismo é descobrir que machismo é o reflexo da a insegurança do ego masculino e que impotência não é falhar como homem e sim como ser humano. É entender que roupa jamais definiu caráter e que, onde o não termina, não necessariamente começa o sim.

Se Eva nasceu da costela de Adão e a costela existe para proteger o coração, feminismo é quando entendemos que essa causa é nossa, pois fomos feitos pela mesma mão. É quando a revolução tira a maquiagem e se apresenta como veio ao mundo: linda! E é quando entendemos que, se gerar vida é um dom divino e toda mulher é capaz de ser mãe, podemos deduzir que putas e freiras podem ser santas, afinal, aquelas que não derem a luz com seus quadris certamente o farão com seu coração!

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