Com livro e CD solo no horizonte, Gaspar relembra: “o Hip Hop me deu uma nova visão do mundo”

Foto e texto: Joseh Silva.

Gaspar

“Eu penso que o hip hop se adapta ao tempo. Sou nostálgico, eu gosto dos anos 90; foi um momento de entendimento, de identidade, de me ver no meio de tudo e dizer: ‘quem eu sou, o que estou fazendo com a minha luta’. O hip hop me deu esta visão de mundo. Porque a gente era bairrista. Éramos fechados em gueto. Era propicio ao momento”. Com 36 anos, 22 destes dedicado ao movimento hip hop, o Gaspar do grupo ZÁfrica Brasil revela a importância do 4 elementos (Dj, Mc, Break e Grafite) para sua narrativa de vida.

Gaspar tem um estilo próprio, inconfundível. É como Martinho da Vila para o Samba, original. Interioriza e prática o hip hop como estilo de vida – mais que uma profissão ou instrumento de luta.

Paulista e periférico, com o pai da Cidade de São Miguel – Rio Grande do Norte e a mãe de Lins, interior de São Paulo, foi na capital Paulista que passou a infância, e “de 12 para 13 anos, eu acho, fui morar no Ceará. Fiquei um ano lá”. Foi neste momento que Gaspar teve o primeiro contato com a música nordestina. Com o pai sanfoneiro, os tios violeiros e repentistas notou a riqueza cultural que tem em sua origem.

De volta à São Paulo, começou a se envolver com o movimento hip hop. Em 1992 montou o primeiro grupo de rap. “Comecei com o Fernandinho Beat Box. Eu estava em um baile, acho que em Pinheiros e vi o Fernandinho fazendo Beat Box e comecei a improvisar, ai ele disse que eu rimava bem. A primeira vez que subi no palco foi com ele.” Nesta época, Gaspar rimava sobre os problemas que atingia a si e a periferia.

O Z`África foi fundado em 10 de janeiro de 1995, ano em que se completava 300 anos do assassinato do líder quilombola Zumbi dos Palmares e que também começou a luta dos movimentos negro para que o dia 20 de novembro virasse feriado. O grupo começou com Fernandinho, Pitchô, Dj Meio Kilo e Gaspar. A composição atual é Pitchô, DJ Tano, Gaspar e Funk Buia. “Para chegar no Z`África foi todo um processo de auto entendimento, de pesquisa da cultura hip hop, de entender o que estávamos fazendo, de buscar as origens e compreender as variações dos elementos. A gente faz rap, mas o Z`África é uma infinidade de batidas: desde o funk, Ragga, Soul, Afro Beat, Musica eletrônica. Não ficamos presos em só um universo”.

De fato as letras em que Gaspar, Funk Buia e Pitchô cantam são críticas. A música mais conhecida é a que foi título do segundo disco Antigamente Quilombo, hoje periferia, que compara muitas questões de classe e de uma relação contemporânea análoga a senzala e casa grande. “Temos que quebrar esse valor eurocêntrico que o Brasil insiste em perpetuar, sendo que quem está nas ruas, sabe que o povo é diferente: não é esta Suécia que eles passam na televisão. ”

A discografia independente do Z`África é composta por trabalhos que questiona padrões, que vai contra a hegemonia de dominação, tanto da grande mídia com das gravadoras. Esta postura do grupo, enraizado no hip hop, fez com que ele se tornasse membro da primeira geração da Zulu Nation Brasil, batizado na Casa do do Hip Hop por África Bambaata, Nelson Triunfo e King Nino Brown.

É com a narrativa de mais de 20 anos de movimento, quatro discos lançados com o Z`África, com muita pesquisa e aprendizado que Gaspar lança este ano dois projetos solo: O primeiro é o livro O Brasil é um Quilombo, obra que mostra o Brasil com os olhos dos povos que originalmente se misturaram e deram rosto ao brasileiro. Os textos, reflexões, rimas e poesias que compõe o livro foram ilustradas por Alexandre de Maio, Alexandre Romão e Rodrigo Bueno. O segundo trabalho projeto é o disco Rapsicordélico, CD solo que conta as participações de Emicida, Zeca Baleiro, Funk Buia, Dexter, Lirinha, Amanda NegraSim, Marcelo Preto e Lou Piensa. A produção é de João Nascimento.

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