O que falta para Emicida? Leia nossa entrevista exclusiva com o rapper

Atualizado em 17/10/2013

Sempre que lemos ou ouvimos uma entrevista de um rapper para um veículo leigo no RAP, aborrecemo-nos. Sabemos que contar a história do artista é fundamental e válido para as pessoas que ainda não conhecem, mas pra quem já conhece, é chato demais ficar sempre revendo.

Por isso, na entrevista que fizemos por e-mail com o Emicida, não focamos no “de onde você vem?”, que todos já sabem, mas sim no “onde você quer chegar?”. Por mais que o futuro seja incerto, o rapper parece estar bem focado em seus objetivos.

As perguntas foram enviadas logo antes do VMB 2012, por isso talvez estranhem uma ou outra. Além da premiação, o rapper falou sobre ser empresário, sobre eleições, projetos sociais e o futuro da sua carreira.

Abaixo cê confere a entrevista na íntegra:

Emicida no VMB 2012

Ano passado cê ganhou os prêmios mais importantes do VMB. Em breve, cê vai concorrer a mais alguns. Qual a expectativa? Ainda tem aquele frio na barriga?

Na verdade eu sou uma pessoa fria. Isso frustra muito a expectativa das pessoas em torno da minha expectativa com relação a esse tipo de coisa. Costumo dizer que nasci velho. Existe uma linha do Kl Jay na batida em que ele diz “talvez eu seja a continuação de alguém que no passado representou perigo também”. Me sinto assim, como se já tivesse vivido essas situações. Minhas expectativas são sempre ao redor de outras coisas, coisas do dia a dia, correrias do hip hop. Prêmios são símbolos, é bom ser reconhecido pelos atos e pelos trabalhos, mas nunca foi o foco ganhar prêmios. O foco é a cultura hip hop ser vista com respeito, ver pretos na TV sem estereótipos, esses prêmios são os maiores de todos.

Depois de ver o sucesso do Emicida rapper, estamos vendo um pouco do empresário. A Laboratório Fantasma confirmou o Rael e o Ogi como parceiros e assinou também a Mão de Oito. Qual que é a participação efetiva de vocês nessa parada?

Acompanhamento. Somos parceiros, não somos donos de ninguém, compartilhamos nossa organização e construímos nossas expectativas em conjunto com cada um dos artistas. Então somos próximos e um catalizador de ideias, mas a base deve sempre ser os artistas, deles é que partem as iniciativas, nós auxiliamos.

Acho que deveríamos perguntar isso pra eles, mas como é o Emicida empresário com os empresariados? Cê cobra, dá dicas e tal ou é uma parada mais distante?

Devido à falta de tempo, tenho estado mais distante do que gostaria. Mas na medida do possível vou me inteirando, ouvindo os sons novos deles, por exemplo. A questão é que, por outro lado, também tenho uma carreira pra tocar, então eu corro lá, mas vivo tendo que virar a chave de empresário pra artista e voltar pro palco…

Em 2012, o RAP mais uma vez dominou o VMB, o Racionais voltou, D2 também, Edi Rock vai lançar um solo, Kamau lançando também, Marechal por vir, você e o Criolo gravaram um DVD histórico, Projota e Rashid lançando trampo atrás de trampo, a CONE e mais uma rapa também. Eu imagino que cê deva estar feliz com a cena atual. O que cê acha que falta nesse momento do RAP para melhorar ainda mais?

Acho que popularizar em termos de virar um gênero cada vez maior é sempre válido, mas precisamos de solidez. O rap está se comportando como quem está com o jogo ganho, quando esse momento é o de trabalhar mais que nunca, aproveitar o verão para se preocupar com o inverno, principalmente quando se é independente. Surgem os artistas passageiros, os chamados modismos. Isso é inevitável quando se alcança visibilidade comercial, pois as pessoas vivem tentando repetir fórmulas de sucesso aqui, mas o foco deve ser solidez sempre e vejo poucas pessoas preocupadas com isso. Se você ama isso, quer fazer isso daqui a 20 anos com dignidade. Vejo poucos ou quase nenhum artista novo pensando assim, e isso não é indireta – que é outra coisa que virou moda -, é um salve pra construirmos algo que daqui a 30 anos nos orgulhe e faça parte do monstro que é a música Brasileira.

Ainda em 2012, tivemos em abundância as invasões hostis da polícia nas quebradas, os incêndios e é ano de eleição. Parece claro que algo precisa ser mudado. Se cê pudesse falar algo diretamente pra galera que vai votar, o que seria?

Mano, infelizmente eu diria pras pessoas ignorarem os maiores veículos de comunicação e buscarem outra perspectiva dos maiores fatos noticiados, buscar coisas que não são notícia nesses portais e grandes jornais também, sabe? Tem muita distorção envolvida, melhor do que saber a notícia é saber a intenção de quem a publica. As pessoas deveriam buscar conhecer realmente seus candidatos, não o que vendem sobre eles através de publicidade em época de eleições. Somos um povo que saiu da escravidão jogando a sujeira pra debaixo do tapete, depois fizemos o mesmo com a ditadura e ambas estão aí mascaradas… racismo, violência policial, medo… é tudo filho de coisas em que não tocamos, virou tabu, estamos numa fase bem assustadora, principalmente em São Paulo. Polícia matando pra caralho, jornalista exilado no século 21 após expor os absurdos escritos por um político da rota que vence com quantidade assustadora de votos e ainda sai na rua com o Serra dizendo que o cara é defensor dos direitos humanos… vivemos um momento tenebroso…

Através da internet, mais diretamente do seu twitter, você normalmente chama a atenção pra alguns fatores políticos e comunitários. Sem contar, a música “Dedo na ferida” e todo debate que ela levantou. Como cê diz no som com o Inquérito, os caras cobram mais isso de você do que dos próprios prefeitos. Por que cê acha que isso acontece?

Porque temos coração. Em parte é por nos mostrarmos sensíveis a esse tipo de coisa, em parte é porque vagabundo transfere a responsabilidade pra quem tá aparecendo mesmo e quer mais é que se foda, joga a batata quente no colo do outro.
Eu tenho minhas convicções, sei que estou construindo uma realidade que não vou ver, mas trabalho por ela, talvez a geração da minha filha veja, talvez a dos filhos dela. Quando fiz a Dedo na ferida foi pra doer mesmo, o rap tava indo pro lado de “vamos, você consegue! Lute” , mas isso também precisa ser dito. É pessimista? Não, é realista. Enquanto não houver reforma agrária séria, enquanto não houverem iniciativas visíveis a olho nú que derrubem a imensa desigualdade social e o racismo no Brasil, estamos na luta, com enxadas, foices, canetas e o que tivermos a mão pra lutar. Rap é isso, né? tTemos que vencer, temos que ganhar grana, sim, porque em toda a história do Brasil o dinheiro ficou lá na mão dos vermes, e quem tinha algo de bom pra compartilhar tinha/tem que ficar pedindo a benção deles. Então nóiz tem que ir lá ganhar dinheiro e fazer o País que a gente acredita sem pedir licença, contar a história na nossa perspectiva, lutar e vencer, resistir, Hip Hop

Nesse sentido, cê já pensou em criar alguma parada mais direta, algum tipo de projeto social?

Já tive e tenho envolvimento com projetos sociais, mas hoje a coisa que faço e tem maior alcance é colocar pretos na TV, com respeito. Vagabundo pode falar o que quiser, mas sem mostrar a cara ninguém vai mudar realidade nenhuma, não, então eu tô na pista aí correndo, construindo, reconhecendo que o caminho é complicado, mas insistindo na ideia de que precisamos ser mais loucos que o barato, como o Renan disse no Inquérito. Estou estudando muita coisa, mas não quero aparecer por fazer um projeto social, quero aparecer por ser foda no que faço, música e negócios, talvez desenhos. Quando for o momento, uso minha carreira pra alavancar nosso projeto social, mas até então estamos construindo a estrutura para depender cada vez menos do poder público nesse sentido e ter autonomia para fazer ideias boas que valorizem nosso povo sair do papel sem torná-lo coitadinho. Não somos coitados, somos guerreiros, precisamos de oportunidades e se um de nóiz chegar ele traz mais 10, você tá ligado…

Pra terminar, porra, cê ganhou diversos prêmios, fez shows pelo Brasil todo, pelo mundo, conquistou milhares (ou seriam milhões) de pessoas, levou autoestima e incentivo por bom exemplo pra outras milhares, fez hits, fez músicas de mensagem, fez história. O que ainda te inspira a continuar trampando pesado ano atrás de ano? O que ainda falta para o Emicida?

Sou o Emicida, os outros têm uma meta, precisam de uma, eu não preciso ter um ponto final pra ter começo. Minha estrada é na música, meus sonhos são revoluções politicas, a música é uma ferramenta, começamos a conversa com o VMB e terminamos nele, sou grato pelos prêmios, é uma alegria enorme, porém, se tivermos um ponto a se considerar ideal, ele está bem longe. Logo, é melhor trabalhar pra seguir em frente e crescer do que pensar em quando iremos parar. Imagina se meu sonho fosse o VMB ou tocar fora do Brasil? Teria que me aposentar e eu só me aposentarei daqui a uns 10 anos (risos)

4 Comentários

  1. Gersonf
    18/10/2012
    Responder

    Parabéns. A melhor entrevista já fizeram com o Emicida, das que eu li. Com perguntas relevantes e com respostas no mesmo nível.

  2. Eli
    22/10/2012
    Responder

    ótima entrevista, me esclareceu coisas sobre ele e até me fez ver as ideias que tenho em comum com ele, parabéns!

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