Atualizado em 19/02/2019
Já fazia um tempo que não víamos nada do Eminem explodir mundialmente como foi o recém-lançado “Kamikaze”, uma espécie de álbum/mixtape surpresa. Ainda mais com aceitação da crítica também e não só do seu público.
Menos de um ano depois de lançar o “Revival”, considerado por muitos um dos seus piores discos, o rapper meio que se escalou para uma missão suicida de cobrar todos aqueles que o zoaram nos últimos anos, principalmente pelos seus últimos trabalhos.
É algo que ele meio que já tinha apontado em “Recovery”, mas tinha dado a entender que seria uma atitude errada, tomada apenas pelo seu estado emocional. Na “Talkin’ 2 myself“, por exemplo, ele chega a dizer que quase fez uma diss pro Lil’ Wayne e uma pro Kanye, por ter uma certa inveja de eles estarem foda no bagulho e ele mal conseguia escrever qualquer coisa.
Na sequência da rima, ele fala algo como “que bom que eu não fiz isso, eu teria sido destruído e eu sabia disso” (ele diz exatamente “my ass handed to me”, mas como não encontrei uma tradução melhor foi essa mais simples mesmo). Ainda no mesmo som, ele fala pros caras se manterem fortes, com a cabeça erguida e diz que a ideia de atacá-los não era pessoal, era só algo difícil que ele tava passando.
Digamos que “Kamikaze” seria o Eminem assumindo esse papel de atacar todo mundo, que ele havia deixado de lado no “Recovery”, mas já não se preocupando em ser destruído. Ele pode até ser destruído e morto protegendo a sua honra, mas parece sentir como se vale a pena, como o termo homônimo do título do disco sugere.
E eu acho que isso se deve a dois motivos principais. Primeiro porque, nessa época ali do “Relapse”/”Recovery”, o Eminem estava ainda em uma fase de recuperação (rá!); as músicas mostram alguém desacreditado que começa a adquirir mais confiança ao passar do tempo, verso por verso.
Já hoje, o rapper está completamente no lado oposto. Ele se sente tão dono de si, tão bem no seu estado atual, que lançou o CD basicamente pra atacar todo mundo que criticou seu último trampo. “Eu estou foda, fiz um trampo foda e vocês criticaram? Foda-se, vocês merecem pagar por isso”, nunca teria dito o Eminem, mas serve pra contextualizar a ideia.
Em segundo lugar, eu acho que o principal motivador pro rapper de Detroit fazer isso mesmo depois de dizer que não faria é o respeito. Ou, a falta dele, no caso. Parece-me que ele sentiu que os caras não tavam respeitando mais o trampo dele; que tavam pegando as músicas mais recentes e tratando ele por aquilo, chamando-o de bosta, esquecendo completamente da carreira.
Eminem cresceu num rap que você não ataca deliberadamente um cara que você respeita; você não lança uma diss simplesmente por lançá-la, por achar que o cara fez uma rima ruim em uma música ou qualquer coisa do gênero. Por isso até que uma diss pro Kanye, Lil’ Wayne e outros grandes na época do “Recovery” seria errado: o Eminem tem respeito por esses caras, por tudo que eles já construíram no Hip Hop.
Mas, com as redes sociais e seus stories e tweets, mídias de comunicação rápida e simples, as pessoas estão cada vez mais falando o que pensam em todo momento; cada vez mais o seu MC favorito fala muito na Internet.
Não existe mais tanto o refletir e pensar no todo antes de falar; as consequências do que se fala não são medidas. Nomes que acabaram de entrar no jogo estão criticando lendas a todo momento.
E em meio a tantos ataques do Eminem em “Kamikaze”, a história com o Machine Gun Kelly foi a que me chamou mais atenção para fazer este post. Não necessariamente “Not alike” ou “Rap devil“, mas especificamente a tréplica de “Killshot”.
No entanto, eu não vou explicar versos do som até porque a página do Genius já traz um bom conteúdo (aqui em português) e o Ronald Rios também fez um bom vídeo nessa pegada. Eu também não vou tentar definir quem venceu, até porque já tem vídeo demais nessa pegada e uns até que tentam trazer uma visão “científica”, mais imparcial, o que é bem difícil em relação à música e artistas com grande diferença em popularidade.
E eu também não serei louco de contar quantas sílabas rimam nas duas músicas (“Rap devil” e “Killshot”) na tentativa de estabelecer um vencedor inquestionável, como fez esse youtuber estadunidense – vale dizer que essa foi uma das métricas mais legais que vi fazerem pra analisar uma letra de rap (sem contar que 77,8% sílabas que rimam é um número absurdo, até pro Eminem).
Fica a dica, Genius!
O que eu gostaria de falar, na verdade, é sobre o quanto “Killshot” se parece com uma batalha de rap e por que escancara o motivo da saída dos rappers famosos das disputas. Normalmente, eu sou o primeiro a apontar as diferenças entre “batalha de MCs” e “diss”, mas, neste caso, principalmente nesta resposta do Eminem, as coisas se confundiram.
Foi como se eles estivessem no segundo round e o MGK tivesse aberto com “Rap devil” pro Eminem se defender com “Killshot”. Ele trouxe pouquíssimo de novo pra roda, basicamente, só se defendeu dos ataques do adversário, exatamente como é feito numa defesa de batalha de MC.
Enquanto o MGK era um assumido fã do Eminem e conhecia sua carreira de cabo a rabo, este sabia muito pouco do outro; restava apenas devolver com qualidade o que lhe foi apresentado. E é claro que não tem problema algum nisso quando você é o Eminem e te dão tempo para escrever rimas com triplos sentidos e a porra de 77,8% de sílabas que rimam!
No entanto, se isso fosse uma batalha de MCs real, provavelmente não teria bairrismo ou bunda branca que salvasse o rapper de 8 mile. O adversário teria toda uma carreira de 20 anos se expondo ao público pra usar contra o Eminem, enquanto este só poderia dizer coisas da aparência ou responder às rimas que o cara jogou na dele.
Vale ressaltar que estou usando Eminem e “Killshot” como exemplos e não literalmente. Até porque, em uma batalha do Eminem improvisando e o MGK decorando, acho que aquele levava com tranquilidade. Não que “Rap devil” seja assim tão ruim, é até “boa, por ser o MGK”, como sugeriu o próprio Eminem, mas, como ficou bem claro, não é boa o suficiente.
Aliás, o MGK jogou no lixo toda essa vantagem que ele tinha sobre o Eminem. Não adianta você ter 20 anos da vida do cara se você só consegue falar da barba dele, dos casacões e até mesmo da idade ou grana, que até permitiram ele fazer umas rimas interessantes, mas que ficaram repetitivas e poderiam facilmente ser percebidas e criadas na hora.
Quando o Eminem diz que o MGK está perdendo na batalha que ele mesmo (MGK) escolheu, ele não poderia ser mais literal. O Eminem não trouxe quase nada a mais para o campo, apenas usou as armas que o próprio MGK tinha disponibilizado. Como você vai zoar que o cara é velho se o cara pode mostrar em números irrefutáveis que, na sua idade, ele já era muito melhor que você e hoje ele continua muito melhor do que você?
O ponto-chave é: quanto mais você se expõe ao seu adversário, mais fácil será pra ele te derrubar. Isso é óbvio em um campo de guerra; é óbvio também em uma batalha de MC. Quanto mais o seu adversário sabe sobre você (mais você está exposto), mais fácil será pra ele fazer uma rima boa sobre você (mais fácil pra te derrubar).
Deixa eu dar um exemplo prático que pode ajudar a entender melhor. Dá uma olhada no 3º round da final da Liga dos MC’s de 2006, a lendária batalha do Emicida com o Gil, que consagraria o rapper paulistano.
Os dois primeiros versos do Emicida são basicamente variações de outros versos que ele fez nos dois primeiros rounds. Parecia que ele não teria mais nada a acrescentar sobre o Gil; todas as informações que ele tinha sobre seu adversário já tinham sido utilizadas nos rounds anteriores.
Até que o Gil faz uma sequência de movimentos bruscos, que não só o Emicida percebe, mas também a plateia – porque tem essa: numa batalha de MCs, não adianta só você saber sobre o adversário, não tem Genius lá, o público precisa instantaneamente se conectar com o que você tá falando.
Essa informação extra que o Emicida obteve do Gil, essa pequena exposição a mais, foi o suficiente pra ele fazer uma sequência de dois ou três versos que se conectavam perfeitamente com o momento – quanto mais o seu verso faz relação com o presente e realmente soa improvisado, melhor – e virar a plateia toda a seu favor.
Depois disso, a maioria das coisas que ele fala poderia muito bem já ter sido usada em outros momentos. Ou seja, se o Gil não tivesse falado com a plateia ou mudado bruscamente de posição no palco, o Emicida talvez não tivesse mais tanta coisa realmente improvisada para usar e empolgar a plateia daquele jeito – até mesmo a rima do boné do Sérgio Malandro é uma consequência do momento, do controle do Emicida sobre a plateia, visto que o boné colorido dele é muito mais próximo de um boné do Sérgio Malandro do que o do Gil.
Se essa pequena exposição assim já deu tanta vantagem para o adversário, imagina o que anos de carreira e dezenas de letras pessoais lançadas não poderiam fazer. O rapper famoso estaria sempre em desvantagem.
Além disso, é óbvio que o cara tá em outra vibe completamente. Pensando em carreira, turnês, mídia. Mesmo que vencesse a maioria das batalhas, é bem provável que os ataques sofridos em cada uma delas danificassem sua imagem perante o grande público.
Fora o tempo despendido. Cê pode até pensar que improviso é só chegar lá e mandar, mas requer bastante prática, tanto do pensamento rápido sobre o que falar do adversário quanto da conexão entre as palavras. Muito mais do que ter um vasto vocabulário, o improvisador precisa que essas palavras venham na hora certa e se conectem com outras que soam parecidas.
Ou seja, fica evidente que existem vários motivos que fazem com que rappers famosos que começaram nas batalhas não batalhem mais, mas também que a própria fama e popularidade adquiridas os afastem cada vez mais da participação nas batalhas.
Até mesmo uma diss pode ter esse efeito e o rapper mais famoso não entrar na onda do seu “desafiante” porque pode não ter um ganho pra ele naquilo. Quem ganha de verdade com as diss? Como o próprio Eminem diz na “The Ringer”, faixa que abre o novo CD, “você me menciona, milhões de visualizações, atenção no noticiário / eu te menciono, derrota pra mim, vitória pra você / bilhões de visualizações” (na tradução literal minha mesmo).
No entanto, a diss permite o que eu já comentei, de você ter tempo de dar uma olhada no som do cara e pensar bem o que falar, e também que você escolha as coisas que vai responder; você escolhe o adversário e aí pode ser tipo o agenciador do Rocky Balboa na manutenção do título dele: só as babas.
A real é que eu vejo uma pá de gente pedir pra caras como Emicida, Maomé, Nissin voltarem a batalhar, mas não vejo como isso poderia acontecer. Talvez façam batalhas fakes ou participem de desafios de improviso, mas a exposição de batalhas de verdade parece impraticável para rappers que tomaram proporções tão grandes, independente dos inúmeros pedidos saudosistas que recebem diariamente.
É até melhor assim, pois uma sequência de derrotas e merdas faladas poderiam até prejudicar a imagem que havíamos criado do MC. Assim, vale mais a pena ficar só com as gravações do Youtube. E, vale muito a pena também nunca fazer uma diss para o Eminem, sem dúvida.
Bom
falou tudo, esse site é brabo