Atualizado em 12/12/2013
Não se deixe enganar pelo nome do evento. O SarauRAP não era um evento exclusivo de poesias ou RAPs, muito menos só para poetas e rappers. E você podia ver isso já nas atrações do dia.
Tudo começa na Fundação Cultural de Blumenau/SC. Em uma “área principal”, algumas barraquinhas comercializavam e expunham produtos que iam de livros e camisetas a salgados e bebidas.
Em uma sala não muito distante, o filme “Os Panteras Negras” era exibido pelo coletivo CineDebate, que promoveria na sequência um bate-papo sobre o longa. O assunto giraria bastante em torno da opressão do Estado, não somente na violência direta para coibir certos movimentos, mas por limitar o alcance da população à informação e/ou manipulá-las.
A saída seria a quebra da inércia que nos é imposta principalmente através da educação escolar; fazem com que acreditemos que o que realmente queremos fazer das nossas vidas não é o que a gente precisa e o que a gente precisa só será alcançado se ficarmos quietos no nosso canto ocupados com o nosso trabalho diário.
O mais interessante é que, alguns minutos depois, mesmo sem ter participado do debate, Renan Inquérito apresentaria sua opinião e, de quebra, se tornaria um exemplo vivo da solução. Com o megafone característico da sua “Parada Poética”, o rapper adentrou no espaço principal do evento, em meio às barraquinhas já mencionadas.
Mas nem foi a sonoridade amplificada pelo objeto que chamou a atenção. A jovialidade e a vivacidade com as quais ele se apresenta tiram qualquer um do lugar-comum. Some isso à facilidade com que a poesia marginal tem em cutucar almas e você terá um evento de pessoas inquietas e querendo mudança.
Renan é um apresentador nato, seja em shows ou nas intervenções poéticas. Aliás, poesia essa que ele diz ter descoberto após uma visita à Fundação Casa, na qual mostrou aos garotos que várias das músicas que eles gostavam, como “Jesus Chorou”, do Racionais, eram na verdade poesias, apenas entoadas de maneira diferente.
Interessante como o não reconhecimento do RAP perante a sociedade afeta até os próprios rappers. Renan é um dos melhores letristas que o gênero já criou e assim, consequentemente, um dos melhores poetas e, até então, nem tinha se dado conta que fazia poesia. Outra curiosidade é que, depois do livro “#PoucasPalavras”, choveram ofertas de eventos para que ele espalhasse sua poesia, mas o livro nada mais é do que uma compilação de versos retirados de suas próprias músicas.
Um desses eventos, como ele conta, foi o FLIP 2012, no qual teve alguns problemas com a polícia local. Naquele dia, ele começou a adotar a expressão “vendo pó…esia” (retirada do poema “Biqueira Literária”, do Rodrigo Ciríaco). Algum tempo depois, o rapper também começou a distribuir os “pinos poéticos” com curtos versos; pequenos pinos de plástico normalmente utilizados para distribuir amostras de drogas em quantidade suficiente apenas para que o usuário procure mais.
Enfim, depois de algumas histórias, inúmeras poesias recitadas, tanto suas quanto de outros, ele abriu espaço para vários presentes engrandecerem o evento com suas palavras. Sem idade, sexo ou bairrismo, o microfone era aberto mesmo. Aberto como a mente daqueles que o seguravam com a efervescente necessidade de colocar tudo pra fora.
Cidadãos comuns intercalaram com poetas, que intercalaram com rappers, que intercalaram com o próprio Renan, que volta e meia aparecia para mais uma sessão de versos. Depois ainda rolou uma conversa com o Jaison, da Banda Malungo, que contou um pouco mais sobre seu trampo acadêmico envolvendo o Hip Hop local.
Voltando ao pensamento inicial desta publicação, o SarauRAP foi, acima de tudo, um evento de cultura marginal. Não necessariamente da marginalidade tão conectada ao Hip Hop, mas de informações que estão à margem da sociedade, que não parece se preocupar muito com o assunto.
Assim sendo, evento que deveria acontecer, no mínimo, mensalmente e com financiamento da Prefeitura, acaba acontecendo uma vez por ano e com a luta da própria população.
“Infelizmente, mesmo depois de tantos anos fazendo eventos de rap em Blumenau, com um público que cola e contribui, ainda não conseguimos desmistificar a imagem marginalizada que a sociedade constrói do rap. Somado isso com a cultura tradicionalista alemã da cidade, o patrocínio do comércio fecha as portas”, conta-me Janaína, do grupo Palavra Feminina, que foi uma das grandes responsáveis.
Ah, é verdade, esqueci de mencionar as peculiaridades da cidade. Carecemos tanto de diversidade cultural por aqui que não me surpreenderia se o município fosse considerado um dos mais preconceituosos do país. Se o preconceito com o RAP é algo nacional, pode multiplicar por alguns tantos quando fala do gênero na região.
“É só prestar atenção na educação, a meta deles não é essa, quanto mais desinformado melhor, mais fácil de alienar e manipular. E por mais que aqui eles queiram manter a cultura germânica, nossa realidade é brasileira. Ainda temos muito a fazer, e eventos como o SarauRap vem pra trazer a interação entre artes das mais variadas mas que buscam o mesmo ideal”, reitera a rapper. “Quanto à atitude popular, podemos alcançar uma mudança, mas só alcançaremos aqueles que estiverem abertos a isso e sabemos que muitos já fazem seu pré-conceito sem mesmo parar pra ouvir a mensagem. Você não resume um rap em meia dúzia de palavras, você precisa ouvir a música inteira”, completa.
Mais uma vez, mesmo sem “estar presente no debate”, Renan deu a opinião e a solução. Sabe aquela história de que o RAP é poesia pronunciada de maneira diferente que ele contou aos jovens da CASA? Então. O preconceito das pessoas com o gênero faz com que elas tratem o RAP como um fim no próprio RAP, como é a maioria dos estilos musicais. Mas o RAP vai muito além. Ele te leva, na maioria dos casos, pra uma reflexão muito maior sobre a própria sociedade, basta que você permita.
É exatamente isso que o SarauRAP propôs. Os eventos de RAP e de poesia num geral não podem ser apenas para fãs de RAP ou de poesia. As problemáticas apresentadas são, na maioria dos casos, de caráter municipal (quando não mais amplas) e precisam ter a participação do maior número de pessoas possível.
Os versos são apenas embelezadores da reflexão. A poesia apenas a deixa mais apresentável. E, como sempre, por mais belo que seja o exterior, é o interior que realmente importa. Na próxima vez, não hesite, aceite o convite e a conheça melhor!
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