Atualizado em 09/01/2016
Quando você menos espera e quando você mais espera também, o RAP Brasileiro pode surpreender. Depois de semanas ansiando pela premiação, o VMB de 2012 veio pra confirmar a nossa premonição: o RAP Brasileiro está no topo e ele chegou pra ficar!
Se já não bastasse todo barulho criado pelos fãs de RAP, tudo ganhou proporções astronômicas quando a MTV confirmou a reunião do Planet Hemp e apresentação do Racionais. Apresentação, não; show. Isso porque não seriam apresentadas apenas essa e aquela música, mas uma boa quantidade delas, praticamente um show inteiro dos grupos.
Sem contar as outras apresentações e a concorrência direta em vários prêmios, com artistas recém-campeões e até favoritos. A expectativa era monstra e só terminaria com o fim da premiação.
Se depois do domínio em 2011 muitos acharam que o RAP havia atingido o seu pico e começaria a cair, só podemos dizer uma coisa: o RAP é foda!
Pra manter o respeito, eles voltaram…
Antes mesmo da festa começar oficialmente, o RAP já chegou quebrando tudo. Se era o “aquecimento”, então o Planet Hemp chegou pra tacar fogo! O grupo, que se separou em 2001/02, já havia voltado a se reunir para algumas apresentações especiais.
Entretanto, nada como em 2012, quando anunciaram uma tour nacional. E se a primeira parada da tour, o VMB 2012, for o parâmetro para as outras apresentações, então a felicidade dos fãs está garantida. Em pouco menos de 20 minutos, o grupo, atualmente formado pelo D2, B-Negão, Formigão, Rafael e Pedro Garcia, conseguiu levantar uma plateia que não parecia saber o quão histórico era aquele encontro.
O destaque, sem dúvida alguma, foi para a música “Mantenha o respeito“, que encerrou com chave de ouro a apresentação. Além disso, a camiseta do D2, em homenagem ao Speed Freaks, foi incrível.
O RAP começou com o pé direito? Não! Começamos com os dois pés na porta. E, se “onde passa um boi, passa uma boiada”, então podíamos nos preparar para muita coisa boa no resto da noite.
Abram alas para o RAP!
Depois do show marcante do Planet Hemp, a transmissão deu uma acalmada ao voltar para as entrevistas com os artistas que iam chegando.
Só quem não deve ter parado foi o Marcelo D2. O rapper, que se apresentou com o Planet, voltava ao palco poucos minutos depois para seu show solo.
Além da história do D2, sua apresentação era altamente esperada também pela apresentação de uma música inédita do seu no cd, “Nada pode me parar“. Com produção do Papatinho, “Abre alas” foi o som escolhido.
Afinal, se a festa era do RAP, nada melhor do que apresentar uma música voltada à história do rapper na música e do momento que o RAP Brasileiro vive.
Revelação do VMB, não do RAP…
Quando Criolo apareceu para apresentar a categoria “Revelação“, a qual ele ganhou no ano passado, o RAP já poderia se considerar o destaque: das grandes aparições da noite, nossos artistas estiveram em todas.
E, levando em consideração que os indicados eram Projota, Cone Crew Diretoria e Rancore, só poderíamos esperar a vitória. Nada contra o Rancore, mas as probabilidades estavam claramente a nosso favor.
No seu jeitão calmo característico, Criolo anunciou Projota. Ao receber o prêmio, o rapper elevou o número de palavrões por frase na noite. Foi a sua maneira de extravasar as emoções. Quem o acompanha e conhece suas músicas sabe que esconder o que sente não é uma de suas maiores características.
Afinal, não é porque está na TV que ele deixaria de ser ele mesmo. Ainda mais quando o momento era de coroar um trabalho de diversos anos; imagine a emoção de ter o reconhecimento tão buscado.
Em uma entrevista pós-premiação, em um meio pedido de desculpas, Projota se assumiu “boca suja”, mas também disse ser um momento de muita emoção, difícil de controlar.
Pausa do RAP, mas nem tanto…
Depois de um início arrasador, com diversas aparições em sequência, o VMB deu um descanso ao RAP. Mas, se olharmos de perto, não foi bem assim.
Por mais que a categoria seguinte, “Melhor disco“, não tinha nenhum representante direto, todas a torcida estava voltada para B-Negão, ex-Planet Hemp, e seu projeto com os Seletores de Frequência. E não deu outra; vitória do disco “Sintoniza lá“!
Nem a derrota da Cone Crew Diretoria como “melhor banda” para a questionada Vanguart abalou a ótima expectativa do RAP para a noite.
Entretanto, o momento não era tão festivo quanto parecia. Enquanto o VMB rolava, a polícia sitiava a favela do Moinho impedindo de seus moradores voltarem após mais um incêndio, no mínimo, estranho. Além do fato de esperar-se algum tipo de protesto dos nossos artistas, os representantes de uma classe social de menos recursos, há outro motivo para eu ter levantado esse assunto agora.
A apresentação de Karina Buhr vai ficar marcada na premiação e não exatamente por sua atuação diferenciada, para não dizer outra coisa, mas pelas palavras bradadas ao final: “Russomano não, São Paulo! Sai polícia da favela do Moinho. Sai da favela do Moinho, polícia!“.
Atitude pra se destacar, mesmo ela não sendo do RAP!
O RAP ainda é dedo na ferida!
Se começamos a falar do Moinho, então já vamos direto enfiar o dedo na ferida.
Não acreditava no Criolo. Não por achar que ele não merecia, pelo contrário, sou fã. Mas, pela lógica: como ele poderia ganhar do Emicida como “Melhor Artista Masculino“, se não está nem concorrendo a “Artista do Ano“, como ele?
Entretanto, por mais estranho que possa parecer, esse tipo de acontecimento é comum em premiações, nas quais podemos ter jurados diferentes, entre outros critérios. O importante é que o RAP estava lá e muito bem representado!
Ao lado de DanDan, seu fiel escudeiro, Criolo recebeu o prêmio e aproveitou para cutucar a segurança pública: “E gostaria de oferecer este prêmio principalmente para as autoridades do nosso país; sobretudo na questão de segurança pública, que eu tenho certeza que vão apurar quais dos mais de 30 incêndios foram provocados”
Em seguida, foi a vez de Emicida. Ao receber o prêmio de “Melhor Música” por “Dedo na Ferida“, estranhamente dividido com o Wado, pela música “Com a ponta dos dedos“, o rapper, acompanhado da bandeira do MST, foi mais direto nas críticas:
A razão dessa música ter sido feita é pela desapropriação violenta que a polícia militar vem fazendo no estado de São Paulo, certo? Matando nosso povo e nossa cultura. Neste momento, que a gente tá festejando aqui, a polícia militar, não satisfeita com os 36 incêndios criminosos na cidade de São Paulo tá sitiando a favela do Moinho, impedindo seus moradores de voltarem para seus barracos, certo, irmão? Infelizmente, o momento não é de festa.
O discurso foi tão impactante que Wado não teve nem clima para comemorar seu prêmio e acabou saindo com alguns poucos agradecimentos.
Mas, esse era só o começo para Emicida. Logo em seguida, chamado pela dupla de grafiteiros “Os gêmeos” à la “Pussy Riot“, o rapper voltou ao palco para, ao lado de Rashid, DJ Nyack e uma banda foda composta por Iggor Cavalera (ex-Sepultura) na bateria e Lúcio Maia (Nação Zumbi) na guitarra, entre outros, apresentar um dos melhores shows que o VMB já viu.
Ainda vestindo a camiseta da Cólera, uma banda de punk paulistana conhecida pelo protesto, Emicida repetiu a mesma ação que o fez ser detido em Belo Horizonte, em horário nobre, na televisão mais próxima de você.
Se você não gostava dele, não é agora que vai, mas pelo menos deveria considerar o feito. Ele é o salvador da pátria? Não. Ele salvará as vítimas do Moinho? Provavelmente, não. Mas, como artista, ele pegou as armas que tinha e as colocou pra funcionar de forma grandiosa. Apontou para milhões de pessoas um problema que muitos não viram ou não quiseram ver.
Ele poderia ter simplesmente chegado lá, recebido seu prêmio, cantado qualquer música e vazado, mas não. A ação pode parecer pequena, mas imagine vinda de todos os artistas. Ou, pelo menos, de todos do RAP.
Após o recebimento do prêmio até fiquei feliz com a indicação de “Dedo na Ferida” como “Melhor música“, mesmo ela não sendo a melhor nem no RAP e nem, talvez, do próprio Emicida no ano. Foi muito além. Ganhou pela sua importância, que foi refletida de forma fantástica na premiação.
Desce a ladeira, se envolve e chama os mulekes!
Com a representação do clipe que o destacou na visão da MTV, com imagens da gravação de seu DVD em Curitiba, Projota cantou “Desci a ladeira” e o refrão de “Pode se Envolver“.
Com seu parceiro DJ Zala, Projota colocou a favela no ar e envolveu centenas de fãs que estavam na plateia a cantar junto a letra dos sons.
Sem nem um segundo para descanso, os holofotes foram parar nos “mulekes” da Cone Crew Diretoria. Cert, Ari, Papato, Batora, Maomé e Rany Money optaram por cantar uma diferente versão da aclamada “Chama os Mulekes“.
Os novos versos escolhidos soavam em vários momentos como uma improvisação, por mais que eu não acredite que tenham sido, não inteiramente pelo menos. Uma pena, pois a música já conhecida era muito esperada pelos fãs, que, de qualquer modo, devem ter gostado da apresentação.
Era só o RAP marcando presença em mais um momento da premiação e firmando seu domínio mais uma vez.
E teve mais RAP…
Além de todas participações e apresentações já citadas, ainda tivemos muito mais do mundo do RAP e Hip Hop na festa. Aliás, o cenário já tava bastante urbano, com um espaço para pessoas de skate e bike circularem, como se fosse uma rua.
Também teve a rapper Karol Conká fazendo uma pontinha no show, no mínimo, irreverente do Bonde do Rolê, com a música “Brazilian Boys“.
Claro que as apresentações do palco principal são o real destaque da noite, mas teve uma não tão central que vimos receber só elogios: DJ Zegon. Pra quem não sabe, Zegon já trabalhou muitos anos com o Planet Hemp e já produziu também músicas do Racionais e Emicida. Com suas próprias produções e do colega Andre Laudz, Zegon animou a noite entre uma apresentação e outra.
Mas, a alta frequência de participações do RAP Brasileiro provavelmente só aconteceu por causa de Daniel Ganjaman, um dos produtores do disco “Nó na orelha“, do Criolo, e que assinou a produção artística do evento. Não sabemos exatamente o que isso envolve, mas a escolha dos artistas e a maneira como as coisas foram apresentadas provavelmente passaram por seu crivo.
VMB? Não, o Brasil parou pra ver o Racionais!
A categoria de “Clipe do ano” é, sem dúvida, uma das mais esperadas da noite. Não à toa foi uma das últimas a ser apresentada. Para o RAP era ainda mais esperançosa, pois tínhamos diversos clipes competindo.
Muita gente pediu por Edi Rock e Seu Jorge. E, com certeza, “That’s my way” deveria ser a melhor música da noite. Mas, em matéria de clipe, não tinha como bater “Mil faces de um homem leal“. A produção foi literalmente de cinema; incrível.
Com uma pequena demora, que angustiava mais do que incomodava, a equipe responsável pela produção e o próprio grupo se reuniram no palco. Mano Brown foi o último a falar, pois como ele mesmo já havia dito, não se meteu muito na produção desta vez, deixando tudo por conta da equipe que produziu o documentário sobre o Marighella.
Poucas palavras. Parecia que ele estava guardando algo; parecia que viria algo grandioso pela frente…
Nem a premiação de Gaby Amarantos como “Artista do Ano” ofuscou. Até porque, por mais que ela não cante RAP, ela representa as minorias, as classes mais simples, enfim, ela representa!
Aliás, ela pode até ter sido o grande destaque da noite no quesito prêmios, mas o grande destaque mesmo não tinha como ser outro. Anunciado por Neymar, o Racionais subia ao palco para o show que fecharia a noite e, talvez, até a própria emissora. O tão dito “maior VMB de todos os tempos” precisava ter o “maior show de todos os tempos”. E teve!
Acompanhados por duas motos e vestindo as cores da Vila Fundão, onde Brown mora até hoje, o Racionais e mais uma pá de gente surgiram no palco do VMB com a batida da música “Cores e Valores“, bastante propícia para o momento.
Mano Brown não daria um grande discurso sobre os incêndios criminosos nas favelas, como era esperado. Nem precisava. Ele fez todas as declarações necessárias em quase 40 minutos de som para o Brasil todo.
Vi diversas pessoas influentes falando sobre o show, reverenciando o grupo e o próprio RAP. Muita gente critica a atitude de aparecer na TV, mas será que é tão ruim assim levar a todos a mensagem do Racionais, por exemplo? Será que é tão ruim assim usar as mídias como um meio e não como um fim, para promover a nossa mensagem e não simplesmente aparecer?
Acredito que não seja. Ainda mais da maneira que aconteceu. Sabe quem escolheu como seria o show do Racionais? O próprio Racionais! Fizeram do palco uma casa e levaram toda quebrada junto com eles.
Foi um dos momentos mais marcantes da história e não somente pela qualidade da apresentação, mas pelo significado dela. Tudo bem que foi visível a apropriação dos fãs de RAP pela MTV, visto que estamos num momento de popularidade, mas soa muito bem saber que “O RAP salvou o VMB” ou “RAP é o único destaque do VMB”, que vimos em vários veículos de comunicação.
Percebem a positividade que isso traz? Sempre vimos o RAP como a solução para diversos problemas no nosso país, então nada melhor do que ver outras pessoas notando isso e passando a mensagem adiante.
E o Racionais é o grande carro-chefe do nosso movimento e isso ficou ainda mais evidente nessa noite.
Além de fazer a galera vibrar com suas próprias músicas, destaque para “Negro Drama” e a atualíssima “Mil faces de um homem leal“, abriram espaço para Edi Rock e Seu Jorge cantarem aquela que, na minha opinião, é a melhor música de 2012.
Foi uma ótima surpresa! Mais um momento em que o RAP se colocou à frente das outras atrações da noite. Temos mais do que uma mensagem importante, temos também uma mensagem bonita pra passar. Por que escondê-la?
Não podemos, de forma alguma, esquecer o trabalho feito nas comunidades e lugares sem recursos. Entretanto, temos tantos MCs e apaixonados pelo movimento surgindo que podemos, com tranquilidade, cobrir todas as bases.
Basta que haja união e respeito, que perceba-se que o trampo de ninguém é maior, mas que todos caminham para a melhora conjunta, cada um fazendo sua parte. É hora de aproveitar o espaço dado e tratá-lo não como uma fase, mas perpetuá-lo, como uma era. A era do RAP!
Mais uma vez, uma aula dos melhores professores que o RAP e as classes economicamente mais pobres já tiveram. Mais uma vez, tivemos a certeza que, “se vários caras lá de fora se entupiram de dinheiro e já não pensam mais”, os MCs daqui ainda são “Racionais”.
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