A origem do Hip Hop e o seu compromisso

Atualizado em 02/03/2014

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Era década de 70, Estados Unidos, cenário visivelmente caótico nas comunidades negras periféricas, inúmeras pessoas pobres, em empregos mal remunerados, com baixa ou nenhuma escolaridade e muita pele preta. Era o auge do movimento pelos direitos civis dos afro-americanos, Martin Luther King, importante ativista que conseguiu reunir mais de 250 mil pessoas na Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade tinha acabado de ser assassinado, juntamente com Malcolm X, ex-membro da Nação do Islã e importante personalidade que lutava pela defesa dos direitos dos negros. Naquela época entrava em ação o polêmico revolucionário Partido dos Panteras Negras. A quantidade de movimentos que lutavam pelos negros carregava um grande objetivo em comum: a emancipação do povo afro-americano, que na época ainda evidentemente sofria bastante devido as sequelas da escravidão.

Os quilombos norte-americanos, mais conhecidos como “gueto” evidenciavam a precaridade das condições dos ex-escravos somente com uma fácil e rápida observação, como ruas sujas e abandonadas, com poucos ou nenhum espaço para lazer, falta de locais para emprego e uma polícia racista que praticamente agredia quase qualquer negro que encontrava pela frente.

CENÁRIO

No sul dos Estados Unidos, região onde a escravidão foi mais difundida, políticas segregacionistas semelhante às do Apartheid na África do Sul eram implantadas. Ônibus possuíam assentos para brancos e para negros, todos separados, bebedouros e banheiros também eram separados, algumas áreas era permitida somente a entrada de brancos e até 1954 nas escolas públicas era permitido somente o ingresso de pessoas brancas ou “de cor”. Organizações fechadas como a Ku Klux Klan, assim como a polícia, agiam de forma bastante violenta contra os negros, impulsionando até a própria população a agir de forma violenta, como foi o caso de Emmett Louis Till, garoto negro que em 1955 assobiou para uma mulher branca e como vingança foi torturado e morto pelo marido da mulher. Ainda no mesmo ano Rosa Parks desencadeava um poderoso boicote aos ônibus de Montgomery depois de ter sido presa ao se recusar a ceder o seu assento a um branco.

Era época de um sistema político profundamente racista com políticas segregacionistas vergonhosas, os negros em condições precárias se rebelavam contra as diversas leis fascistas, como as de Jim Crow e passavam a se mobilizar em defesa de seus direitos civis. A população negra já somava vários milhões de pessoas, e grande parte destes em condições subalternas, vivendo em áreas totalmente periféricas, esquecidas pelo Estado imperialista. As condições impostas principalmente pelo Sul dos Estados Unidos acabaram sendo responsáveis diretas pela migração de cerca de 6 milhões de negros para o Norte até a década de 70, o que acabou acarretando a criação de imensos subúrbios com falta de infraestrutura, que acabaram sendo vítimas da profunda exploração do país que rapidamente se industrializava.

No Norte existia a promessa do Sonho Americano, no Sul o chicote ainda estalava, e em ambos o retrato era caracterizado pela degradação urbana, elevadas taxas de pobreza e desemprego. As regiões normalmente eram associadas a altos índices de criminalidade, toxicodependência, alcoolismo, elevadas taxas de doenças mentais e suicídio. Geralmente existia elevadas taxas de doenças devido as péssimas condições de saneamento, desnutrição e falta de cuidados básicos de saúde. Havia a ausência de redes formais de ruas, ruas numeradas, rede de esgotos, eletricidade, telefone e também careciam da falta de serviços básicos, como os serviços médicos e de combate a incêndios, havendo somente o policiamento, que no caso era feito para reprimi-los.

Frente aos inúmeros e intoleráveis problemas na época, muitos militantes começaram a trabalhar para de alguma forma combater as atuais dificuldades, e dois dos mais importantes foram, Malcolm X e Martim Luther King, ambos assassinados tempos mais tarde.

MILITANTES PELOS DIREITOS CIVIS DOS NEGROS

Malcolm era filho de um pastor protestante assassinado pela Ku Klux Klan (organização racista norte-americana), por defender as idéias do também pastor Marcus Garvey, que, nos anos 20, defendia que a saída para a questão da discriminação era a volta dos negros dos EUA para sua verdadeira terra, a África.

Órfão, Malcolm enveredou pelo caminho do crime e acabou condenado à prisão, onde se converteu ao Islamismo. Seu sobrenome de batismo, Little, foi trocado pela incógnita “X”, para ao mesmo tempo negar a herança escrava, a nomeação dada pelo senhor, e denunciar o vazio que deveria ser ocupado pela tradição africana, o verdadeiro nome que ele nunca pôde conhecer. Suas concepções eram Socialistas e defendia a violência como método de auto-defesa. Foi assassinado em 1965.

Martin Luther King Jr, pastor batista, também filho de pastor, defendeu desde o começo de sua militância a alternativa do diálogo e pregava o amor e a não-violência desde os anos 50. Envolveu-se com o Movimento pelos Direitos Civis e buscava a solução para os problemas da população negra dentro das normas da democracia americana. Enquanto X falava em “auto-defesa”, King, inspirado pelas idéias do líder indiano Mahatma Gandhi, preferia a “resistência pacífica”. Em 1964, ganhou o prêmio Nobel da Paz. Apesar das idéias tão diferentes das de Malcolm, seu destino foi semelhante ao dele: King foi assassinado em 1968.

Com os dois maiores líderes revolucionários negros norte-americanos mortos em uma época violentamente segregacionista em que se lutava pelos direitos civis primordiais, o povo negro norte americano se rebelou a ponto de abalar a ordem política estadunidense. Foram 3 dias de intensa revolta em 130 cidades do país, lutando por igualdade de direitos, justiça e paz. O governo para conter os distúrbios mobilizou uma tropa de 72 mil soldados, chegando a prender cerca de 23 mil pessoas durante as manifestações e ocasionando a morte de 43 manifestantes durante as repressões.

Devido a morte de Malcom X, um dos maiores ativistas políticos, e crentes de que a forma de luta de Martin era um fracasso, em 1967, fundado por Huey Newton e Bobby Seale, nasce o Partido Pantera Negra para Auto-defesa, que mais tarde foi mudado somente para Partido dos Panteras Negras. Em 1968, King é assassinado e a luta dos Panteras extremamente se radicaliza. A comunidade negra norte-americana carecia de combatentes para lutar por seus direitos, e frente a esta necessidade o grupo tomou partida, contando com o apoio de milhares de negros. De caráter Socialista e anti-capitalista, inspirados por Malcom e pelo líder comunista guerrilheiro chinês Mao Tsé-tung, foi um partido negro revolucionário cuja a finalidade inicial era patrulhar guetos para proteger seus moradores de atos brutais da polícia que eram muito comuns na época. Mais tarde se tornou um grupo guerrilheiro de vertente Marxista que defendia o armamento de todos os negros e a isenção de impostos e de todas as sanções do que chamavam “América Branca”. O grupo defendia também a libertação de todos os negros da cadeia sobre protesto de não terem tido um julgamento justo, defendia o poder de decidir o futuro da própria comunidade negra, lutavam também por uma educação que ensinasse os valores e a verdadeira história negra da sociedade americana, lutavam por moradias descentes, pelo desemprego zero e por empregos dignos, pelo fim da exploração capitalista, da brutalidade policial e do serviço militar obrigatório para o negro. Devido ao seu radicalismo através da luta armada, o partido passou a ser alvo de profundas investigações e perseguições por parte do FBI, chegando a resultar em intensos confrontos com trocas de tiro, fazendo com que a luta pelo fim dos Panteras Negras se tornasse para o Governo uma questão de honra. A ação da contrainteligência foi tão intensa que já na década de 70 o grupo estava profundamente enfraquecido, tinha perdido muitos de seus membros e perdido a simpatia do público. Devido a isso acabaram por focar-se mais desde então à prestação de serviços sociais às comunidades negras. A última grande esperança do povo negro norte-americano tinha acabado de ser derrotada.

NASCE A RESISTÊNCIA

Com a morte de Martim Luther King, Malcom X, “derrota” dos Panteras Negras e perseguição a qualquer outro militante ou grupo que se destacasse dentro do movimento negro, a comunidade afro-americana se viu quase que perdida. Ainda que tivessem conquistado algumas coisas através da luta dos que se foram, faltava mudar bastante o cenário para frear a chamada “América Branca” e dar os mesmos direitos também aos negros e a outras minorias e impor um respeito e consciência entre ambos. Na época depois da luta de inúmeros negros destacados em meio aos movimentos, a situação do povo afro-americano tinha melhorado um pouco quando se tratava das leis segregacionistas e direitos civis, entretanto, a qualidade de vida nos guetos ainda continuava profundamente precária e a violência policial ainda ocorria.

Nos anos 70, exilados da América Branca, os negros norte-americanos procuravam lazer da forma que lhes era conveniente, e naquela época, tempos de bastante agitação cultural e mudanças políticas, o Rock and roll dominava o topo das paradas musicais com Elvis Presley como artista mais consagrado do momento, mas como o Public Enemy versou em 1989 em sua música Fight The Power, “Elvis era um herói para a maioria, mas ele nunca significou nada para mim“, ficava evidente o que um o ritmo que mais se destacava no momento significava para os negros. Naquela época era tempos de Soul para os guetos negros da comunidade norte-americana, ritmo criado por eles mesmos e importantíssimo para a consciência do povo preto. O gênero tinha uma característica bem emotiva e era bastante melódico, possuindo uma postura leve de protesto que o colocava em um patamar meio politizado. Ainda na mesma época, derivado da mistura de Soul, Jazz e Rhythm and Blues, nasce o Funk, uma nova forma de música rítmica dançante que atingiu grande sucesso. Repleto de vocais e coros de acompanhamento cativante, o novo gênero extremamente energético explodiu mundialmente ao som de James Brown, que costumava gritar “Say it loud: Im black and proud!” (Diga alto: sou negro e orgulhoso!), frase de Steve Biko, líder sul-africano. Durante esta época a extravagância de Brown assustava intensamente a comunidade branca norte-americana que em sua grande parte, odiava negros. Então vê-los assumindo suas naturalidades e sentindo orgulho disso era demais para os racistas estadunidenses. Ainda nesta década emergia um movimento que pegaria a comunidade branca de surpresa, o movimento Black Power, que enfatizava o orgulho racial negro que era bastante discriminado e também lutava pela criação de instituições culturais e políticas negras para cultivar e promover interesses coletivos e incentivar a autonomia do povo preto. Era uma verdadeira retomada da luta, ainda que pequena, depois de tantas baixas.

A luta contra o sistema daquela época era retomada aos poucos através da consciência adquirida pelos negros depois de todo um histórico político passado e através da própria cultura que emergia. Tudo adquirido pelos negros era expresso através de suas canções, que consequentemente também acabavam conscientizando, promovendo a valorização da cultura negra e desencadeando revolta nos opressores. Porém, tanto decorrente da postura branda dos artistas de Funk, quanto pelo caráter aberto do gênero, grandes empresários acabaram diluindo e limitando a militância do gênero através de contratos milionários que eram oferecidos aos cantores da época. Com o passar do tempo, até James Brown, conhecido como The King of Funk, se tornou comercial e teve sua expressão comercializada e enfraquecida.

HIP HOP

Com a perda do Funk para o mundo comercial e a decadência do Soul, a militância negra que retornava através da música ficou extremamente comprometida. Artistas já não cantavam mais energeticamente o orgulho negro, nem se voltavam contra o sistema político extremamente racista, ao invés disso seguiam o que os contratos milionários da indústria ditavam.

As comunidades negras na década de 70 ainda enfrentavam diversos problemas de ordem social como pobreza, violência, racismo, tráfico de drogas, carência de infra-estrutura, de educação, entre outros, e não havendo muitas opções de lazer, começaram a organizar festas de rua com equipamentos sonoros, onde o DJ conhecido como Kool Herc introduziu o Toasting, uma forma de cantar rimas bem feitas em cima de instrumentais, das quais continham diversos teores como político, festivo e até sexual. Normalmente em sua maioria eram rimas bastante inteligentes e politizadas, que começaram a fazer sucesso, fazendo DJs como Afrika Bambaataa, Kool Herc, Grand Master Flash, Grand Wizard Theodore, Grand Mixer DXT, Hollywood e Pete Jones organizarem festas onde estas manifestações viessem a ter espaço. Os encontros passaram a ser conhecidos como Block Parties e ganhavam cada vez mais popularidade, servindo de entretenimento para a comunidade negra que era privada de outros tipos de lazeres. As gangues, conhecidas como um dos maiores problemas das comunidades na época, acabaram por terem suas disputas canalizadas através destes encontros, da qual foram aos poucos deixando a luta armada de lado e começaram a disputar entre si através de danças, nascendo então a dança de rua. O movimento foi cada vez mais crescendo e a medida que crescia foi introduzida a música, dança, poesia e a pintura como alternativa sociopolítica aos guetos e como forma de lazer às regiões.

O DJ conhecido como Hollywood, seguindo a tendência de expansão dos encontros na época, em suas festas começou a introduzir MCs (Mestres de Cerimônia), que animavam a festa com rimas inteligentes que cada vez mais iam se consolidando em outros encontros. A utilização de rimas em cima de batidas começou a se tornar rotineira entre os jovens das comunidades, e além de versos energéticos em festas, passaram também a criar rimas poéticas sobre a precaridade dos locais ondem viviam e sobre a vida cotidiana.

O movimento cada vez mais crescia e também na década de 70 uma revolução artística foi consolidada. Uma misteriosa assinatura com a tag de TAKI 183 se espalhava pela cidade de Nova Iorque. A atenção voltada era tão grande que o jornal New York Times noticiou o que estava havendo, tornando-a então mais conhecida ainda. A partir daí surgiram várias outras tags e artistas como Blade, Zephyr, Seen, Dondi, Futura 2000, Lady Pink, Phase 2, Cope2, entre muitos outros, expondo suas intervenções.

A medida que o movimento se desenvolvia, a dança de rua que era comandada musicalmente pelos DJs atraía milhares de jovens, muitos ainda integrantes de gangues, mas que acabavam pacificante resolvendo todas as suas desavenças através de competições de danças que envolviam variados estilos, como o Breaking, Popping, Locking, entre outros.

As manifestações artísticas que acabaram se originando de simples encontros festivos já possuíam como instrumento três grandes características firmadas na época, que era a música versada poeticamente, a arte em paredes e muros e a dança de rua. Estas plataformas arrebatavam multidões nos guetos, se tornando uma verdadeira tendência e identidade cultural. Devido ao crescimento e solidificação, Afrika Bambaataa, um dos percursores dos encontros, após perceber que todos estes elementos eram muito próximos e se dialogavam bastante, acabou por dar o nome a um novo movimento cultural que seria conhecido como Hip Hop, onde teria como pilares o Rap (Rhythm and Poetry, ou Ritmo e Poesia quando traduzido, que era a música versada poeticamente), a dança de rua, que incluía diversos estilos, o Graffiti, que seria a arte nas paredes e muros e o DJing (Disc Jockey, DJ), que seria o responsável pelas batidas, scratches e músicas para dança. Acabava de nascer sobre o nome de Hip Hop, um novo movimento de resistência através da cultura como ação política e social.

Depois da criação do nome do movimento, elaboração dos quatro elementos e da junção deles através do DJ Afrika Bambaataa, o Hip Hop se espalhou rapidamente pelas periferias norte-americanas como um vírus. O movimento se tornou uma verdadeira identidade para as comunidades periféricas. Em 73 foi criada a primeira organização totalmente voltada para o Hip Hop. Sobre o nome de Zulu Nation, a ONG fundada por Bambaataa teria como objetivo pregar a paz, o amor, a união, proporcionar a diversão, organizar também palestras que eram chamadas de ‘Infinity Lessons’, ou Aulas Infinitas, quando traduzido, eram proporcionadas aulas de sobre economia, ciência, matemática, prevenção de doenças e vários outros tipos de conhecimento. Segundo Bambaataa a organização serviria também para modificar o pensamento das gangues, um grande problema da época, apoiando o “conhecimento, a sabedoria, a compreensão, a liberdade, a justiça, a igualdade, a paz, a união, o amor, a diversão, o trabalho, a fé e as maravilhas de Deus“, de acordo com o líder. A ONG fazia também campanhas anti-racistas, chegando a contar com 10.000 membros em todo o mundo.

Como o grande sucesso e reconhecimento que o Hip Hop começou a obter, o movimento foi tomado legitimamente como uma verdadeira ação política e social dentro das periferias norte-americanas e de várias partes do mundo, onde já começava a se espalhar. Devido ao prezo pelo conhecimento, os acompanhantes foram se tornando cada vez mais politizados e começaram a militar através dos quatro elementos contra diversas questões. Lutas passadas como as de Martim Luther King, Malcom X e Panteras Negras foram retomadas com grande furor. O elemento que mais obteve destaque dentro do Hip Hop foi o Rap, exatamente por sua característica de canto poético rítmico com discursos de caráter político. A fúria e postura dos Panteras Negras e Malcom X pareciam ter sido resgatadas pelos militantes do movimento. De postura firme e versos agressivos não poupavam críticas ao governo, ao racismo, ao capitalismo e a própria realidade periférica. Questões como degradação urbana, elevada taxa de pobreza e desemprego, altos índices de criminalidade, toxicodependência, alcoolismo, doenças mentais, suicídio, prostituição, falta de infra-estrutura, serviço de saúde, falta de serviços educacionais e vários outros problemas eram violentamente rasgados através de rimas rápidas que assustavam a população branca e o governo norte-americano, deixando o Rap na mira do FBI.

O movimento acabou se tornando identidade periférica e criando um verdadeiro compromisso social com os habitantes das comunidades que eram integradas em sua maioria por negros pobres descendentes de escravos, latinos e uma pequena minoria branca precarizada. Todos através dos quatro elementos passaram a lutar juntos pela emancipação da periferia e pelos direitos civis para negros, latinos e outras minorias, culturalmente agindo na mesma linha que grandes líderes negros assassinados tinham agido.

Diferente do Funk, o Rap e todo o movimento Hip Hop tinha nascido decidido a lutar principalmente pelos negros e pela periferia, ficando longe de se tornar mais um movimento comercial, e assim como o Funk, ter sua luta comprada. A própria postura dos artistas de Rap dificultava o diálogo com autoridades como polícia e alguns políticos e com a própria mídia também, o que acabava por os tornarem alvos preferidos de diversos ataques e críticas. A maioria de suas ações eram com e voltadas às comunidades, onde reconheciam como sendo seus povos precarizados e necessitados de ajuda, e como dívida ao Hip Hop que normalmente diziam que os tinha salvado a vida, deveriam fazer o mesmo para promover ações de caráter social para salvar mais jovens. Vários artistas com o dinheiro arrecadado de suas apresentações acabavam por investir em projetos nas periferias.

O COMPROMISSO

A história do movimento Hip Hop se comparada a qualquer outro movimento cultural surgido nas periferias durante a década de 70 nos EUA e nos anos seguintes em outros países, é diferente de qualquer outro fenômeno ocorrido ao redor do mundo, principalmente pelo objetivo. O movimento Hip Hop diferentemente de outros, nasceu com um compromisso, e este compromisso mais do claramente deixava exposta a ideia primordial de atividade cultural como ação sociopolítica em regiões onde o único órgão representativo do Estado era a polícia, lugares onde a subalternidade era presenciada em todos os setores sociais e seus residentes tinham que conviver com isso. O Hip Hop surgiu quando artistas que inicialmente militavam pelo movimento negro já não mais possuíam aquela postura firme, pois já tinham sido cooptados pela grande indústria. O movimento surgiu quando os próprios moradores se matavam através de conflitos entre a própria comunidade motivados por desavenças de gangues. Ele surgiu e conseguiu tornar branda as guerras entre gangues. O Hip Hop surgiu quando as comunidades formadas por negros pobres, latinos imigrantes, brancos precarizados e outras minorias mal possuíam uma quadra de esporte como ambiente de lazer. O movimento surgiu quando a degradação urbana, elevada taxa de pobreza e desemprego, altos índices de criminalidade, toxicodependência, alcoolismo, doenças mentais, suicídio, prostituição, falta de infra-estrutura, serviço de saúde, falta de serviços educacionais era somente o que se encontrava na periferia. O Hip Hop surgiu em uma época em que quando um negro não se levantava para dar lugar a um branco no ônibus, era considerado crime. O movimento surgiu em uma época em que ser negro era motivo para um racismo de rebaixamento profundo e até perseguição que muitas das vezes acabava em assassinato. Enfim, o movimento Hip Hop surgiu durante uma época em que muitos milhares de negros já haviam caído durante o campo de batalha após anos, dias, ou horas de luta buscando por diretos civis dos negros e melhores condições de vida. Ele surgiu não vazio ideologicamente, o movimento trouxe consigo todas as batalhas de grandes líderes negros mortos, como Malcolm X, Martin Luther King e o violentamente combatido grupo, Panteras Negras. O movimento surgiu quase que para tentar fazer em muito o papel do Estado, pois seus povos viam que para eles não tinha vez. O movimento lhes trouxe música, arte de pinturas, dança e muita consciência através do conhecimento passado que ensinou aos moradores precarizados das zonas periféricas esquecidas um punhado de coisas novas, coisas que mudariam definitivamente o rumo de milhares, ou até milhões de pessoas nos anos seguintes. Conhecimentos passados que salvariam a vida de milhares de jovens fadados ao fracasso e ao esquecimento. O Hip Hop nasceu de consequências como forma de defesa legítima contra os efeitos do/e contra o Capitalismo.

O movimento não nasceu para se capitalizar e gerar um rio de dinheiro a grandes indústrias e a empresários que não se importam o mínimo com a periferia. Não nasceu para fazer superstars que bombassem no topo das paradas e ficassem milionários através de músicas desprovidas de conteúdo lírico. Não nasceu para deflagrar a misoginia, muito menos desvirtuar o caminho de jovens já precários através de letras prejudiciais, nem nasceu para plantar a violência. Ao contrário disso tudo, o Hip Hop nasceu para salvar vidas, e carregava nas costas a vida de passados que antes dele se foram através da mesma luta. A forma era diferente, mas a luta era a mesma.

Hip Hop é arte, arte é expressão e expressão é liberdade. Ao falar de Hip Hop necessariamente falamos de expressão e liberdade, e em expressão não há enquadramento, nem limites, logo não podemos limitar artistas a seguirem uma linha somente pelo fato do princípio do Hip Hop. Mas independente de seguimento que cada um tomar, que fique o bom senso. O Hip Hop não nasceu do nada, possui um histórico anterior de militância enorme e carrega um princípio com deveres que transformam vidas, todo artista deveria recordar bem este princípio, caso contrário o que seriam deles se Hip Hop não fosse compromisso?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

PIMENTEL, Spensy. O Livro Vermelho do Hip Hop. São Paulo: USP, 1999.

MARROW, Tracy. Something from Nothing: The Art of Rap. Estados Unidos: Indomina Releasing, 2012.

BAMBAATAA, Afrika. The Godfather of Hip Hop. Disponível em <http://www.zulunation.com/afrika.html>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

Biografías y Vidas. Biografia de Martin Luther King. Disponível em <http://www.biografiasyvidas.com/biografia/k/king.htm>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

Biografías y Vidas. Biografia de Malcom X. Disponível em <http://www.biografiasyvidas.com/biografia/m/malcolm.htm>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

Marxists. Quem Foram os Panteras Negras?. Disponível em <http://www.marxists.org/history/usa/workers/black-panthers/>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

Rimador. Historia del Hip Hop. Disponível em <http://www.rimador.net/historia-del-hip-hop.php>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

CHANG, Jeff. Can’t Stop Won’t Stop: A History of the Hip-Hop Generation. [S.l.]: Macmillan, 2005

Zulu Nation. Hip Hop History. Disponível em <http://www.zulunation.com/hip_hop_history_2.htm>. Acesso em 15 de Fevereiro de 2014.

Um comentário

  1. Boa noite, um excelente artigo, esclarecedor!!
    É lamentável que muitos raps estejam perdendo sua essência e se dobrando à indústria cultura, uma das ferramenta do capitalismo.
    Muito obrigado!!
    Seu estudante e fui premiado pole profundo conhecimento de seu artigo.

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