Atualizado em 07/01/2016
Quantos eventos de Hip Hop você tem na sua cidade? Quantas pessoas investem seu tempo/dinheiro para realizar um? Quantas casas de show oferecem seu espaço para a cultura de rua, tão vista como violenta e marginal? Em 14 de abril de 2012, o Obs Bar, tradicional casa de sertanejo da cidade de Blumenau/SC, abriu suas portas para o show do rapper Marechal, pela primeira vez na cidade.
Muita gente pensa que é só chegar com o dinheiro e a casa é quase que obrigada a ceder o espaço para o show. Entretanto, se algo der errado, ela poderá perder credibilidade, por isso não é assim tão fácil. E pro RAP, isso é ainda mais difícil, devido à imagem ruim que o país faz do estilo, o que vem mudando um pouco nos últimos anos.
Quando um espaço desse tamanho é conseguido, mesmo que conhecido na região por realizar eventos de outro estilo, é preciso dar uma aula de qualidade para se manter. É preciso ter guerreiros treinados em cada fronte e que esses guerreiros deem o melhor de si. Sem problemas, o nosso bonde tem um grande marechal e tá preparado para enfrentar até campo minado, porque o RAP de verdade caminha com a mente.
A força das batidas
Todo grupo precisa da sua força pra atingir com peso o adversário. Entretanto, em uma batalha em que não se tem adversários, as batidas do RAP e do Hip Hop sob o comando do DJ Nathan Romanos serviam para preparar o corpo e aquecer para o que viria mais tarde naquela noite.
O jovem DJ blumenauense recebia os visitantes com uma mistura de sons brasileiros e gringos, introduzindo-os ao ambiente provocando a diversão e a dança de um bom hip hop que toda festa merece.
A agilidade dos b-boys
Em um bom grupo de guerreiros, a velocidade e agilidade são qualidades fundamentais para se ter. No Hip Hop, os integrantes que as possuem em grande quantidade são os b-boys e b-girls, que com movimentos rápidos e cheios de ginga cativam qualquer plateia, de qualquer classe social.
Em Blumenau, não poderia ser diferente. Se a batida estava tocando, eles estavam lá dançando. Um grande meio-círculo foi feito em frente ao palco e a dança de rua rolava solta, rodeada por apaixonados e curiosos pela arte ali apresentada. Foi um show à parte. Show esse que só aconteceu pelo respeito entre quem estava dançando e quem estava vendo, sem contar por parte da organização que não só deixou a coisa toda rolar, como também a incentivou.
A linha de frente
A linha de frente é a força que, como o nome já diz, atua na frente, os primeiros a se confrontar. Num show de RAP, poderíamos dizer que “os linhas de frente” são aqueles que vão ao palco antes do artista mais esperado da noite, preparando a plateia e sentindo qual é o clima.
No show do dia 14, a linha de frente foi composta por rappers de Blumenau, fortalecendo a cultura local. Primeiramente, foi ao palco o rapper Gee Quest, que teve a oportunidade de apresentar o seu trabalho e despertar nos presentes a vontade de procurar mais sobre o artista. Depois dele, os rappers Marquinho “Rima de Primo” e BONA, do Dalmatas, (foto) apresentaram uma previa do novo cd deste MC, que está pra vir nos próximos meses. E que apresentação!
Normalmente, acostumamo-nos a elogiar o que vem de fora e não dar tanto valor ao que é criado aqui, isso tanto regional quanto nacionalmente. E isso precisa mudar. O que esses MCs fizeram no palco antes do show do Marechal é uma amostra do quanto temos qualidade por aqui e o quão longe podemos chegar com o investimento certo, não só de dinheiro, mas de espaço também.
A inteligência do marechal
Todo grupo precisa do seu líder, que com inteligência, experiência e instinto apurado irá guiá-lo pelo caminho certo. No RAP, não há um líder, mas poderíamos dizer que todos os MCs e integrantes da cultura de rua que são vistos como exemplos tanto pelos fãs como pelos seus colegas são líderes.
Marechal. Difícil pensar em um nome melhor para um desses “MCs líderes”. E, como ele já disse em entrevista, foi ele próprio quem atribuiu o apelido. Ou seja, ele poderia se chamar Marechal e ter sido um qualquer. Mas, não. Correu, aprendeu, batalhou, vivenciou e hoje faz jus.
O show em Blumenau foi uma prova disso. Do cumprimento humilde em cada um que lhe referia a palavra até a inteligência das mensagens em suas músicas, Marechal deu muito mais do que um show, deu uma aula. Não há como questionar a qualidade de um rapper que mesmo sem lançar um cd solo faz o público cantar em coro músicas como “Sangue Bom“, “Sua Mina Ouve Meu RAP“, “Espírito Independente” e outras consagradas nos vídeos ao vivo achados na internet.
Poderia me estender por várias páginas dizendo o quanto as letras e a presença de um nome que representa tanto como Marechal foram inspiracionais, mas isso só diminuiria a quantidade de pessoas que leriam o que está para vir, um dos grandes momentos do show, talvez o maior.
Em meio a versos sem base das músicas “Vamos voltar à realidade” e “Iluminai nossos caminhos“, Marechal é surpreendido por alguém do público que sobe no palco para cumprimentá-lo (foto). O normal seria o artista repudiar e os seguranças intervirem, mas o rapper foi bem longe disso e apertou a mão do fã.
Mais do que isso, emendou um freestyle sobre o acontecido, como vocês podem ouvir no áudio abaixo, a partir do minuto 3:45. E, se for pra falar em freestyle, nada melhor do que um dos melhores do Brasil pra incendiar com algo muito maior do que as rimas: mensagem.
Freestyle do rapper Marechal em Blumenau/SC by vaiserrimando
Simplesmente, histórico. Ao proferir a frase “invadimos a casa do sertanejo”, Marechal não simplesmente fechou seu improviso da melhor maneira possível, mas também marcou todos os presentes. A frase seria repetida centenas de vezes pelo público ainda naquela noite, uns para os outros, sem acreditar. Era verdade. Da forma mais pacífica e bela possível o hip hop havia invadido uma casa tradicionalmente sertaneja e mostrado que ambos os gêneros podem conviver em paz.
Enquanto é visível que o sertanejo ainda atrai mais pessoas na cidade, não é erro algum lutar pelo incentivo a outras vertentes e ampliar a gama de possibilidades para os habitantes. Pelo contrário, o local que estiver disposto a oferecer diversos tipos de entretenimento ganhará diversos tipos de público e tanto seu “share de mercado” quanto sua posição no “top of mind” tendem a se destacar. Ainda mais se todas as noites forem assim.
Se o medo de investir no RAP/Hip Hop e associar o nome da empresa ou no caso da casa de shows à cultura de rua devia-se pela violência, pode esquecer. Não vi uma briga, não vi uma confusão. Quem foi, foi porque no RAP a música de mensagem prevalece acima de qualquer situação.
Mais do que isso, o clima amistoso era facilmente perceptível nas vibrações positivas que você adquiria ao olhar pra cada um dos presentes. Já vi shows com o triplo de pessoas, mas sem nem chegar perto da energia presente no show do Marechal. O próprio rapper chama isso. Suas músicas de mensagem diferenciada atraem esse tipo de público, o que quer apreciar a arte, a cultura e fortalecer pra continuar crescendo.
Permita que eu discorde um pouco do Marechal. Não invadimos a casa do sertanejo, a conquistamos. Com a força das batidas, a agilidade dos b-boys, a solidez da linha de frente e a inteligência da música de mensagem que só o “marechal do RAP” poderia trazer, formamos o nosso exército da arte. Exército da paz. Exército esse que deu show de alegria e respeito ao chegar em um lugar “além de seus terrenos” e se comportar como verdadeiros guerreiros ao defender a cultura de rua da melhor maneira possível: dando o melhor de si em cada ação, sem prejudicar ninguém.
Diferente do tradicional, nosso exército não obriga ninguém a se alistar. Pelo contrário, esperamos que quem o faça, faça por amor e somente por isso. Nosso lema permite que os mais diversos tipos de pessoas e pensamentos caminhem unidos em busca de um único ideal, seguindo sempre “um só caminho”. Nosso juramento se baseia na promessa de fortalecimento da cultura acima de qualquer coisa e é feito com o indicador levantado ou pura e simplesmente com a mão no peito, se assim preferir. O alistamento ocorre todos os dias, nas ruas mais próximas da sua casa. “Se cê for sangue bom”, junte-se a nós!
Agradecimentos especiais
Todo grupo de guerreiros precisa de um financiador, precisa de alguém para juntar a melhor equipe possível e colocá-la na atividade. Por isso, não poderíamos terminar esse post sem agradecer ao Thom Gomes e a toda equipe da Flow Hip Hop Class pelo bonito evento que tivemos a honra de prestigiar.
Nada do que foi relatado aqui teria acontecido da maneira como foi se não tivesse havido um lugar para ser feito. Por isso, agradecimentos especiais ao Obs Bar pelo espaço e por ter aceitado abrir suas portas a um evento tão diferente do que seu público comum está acostumado. Fica aqui também nosso enorme pedido para que tenhamos mais shows e dias como esse, para provar que diferentes culturas musicais podem coexistir e que um só local pode hospedá-las, agregando ainda mais qualidade ao seu nome.
E também não poderia faltar agradecimentos a todos os guerreiros do RAP, sejam eles atuantes diretos ou indiretos. Dos representantes que carregam a bandeira por cada lugar que passam aos que apertam play num RAP dentro de sua casa. Obrigado por fortalecer a cada dia essa cultura e trabalhar junto com a gente para que ela se torne cada vez maior.
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