Se você assiste ao CQC, provavelmente já notou que toca muito RAP no “Documento da semana”. Ronald Rios, que cresceu no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, é, talvez , o maior responsável por isso, embora ele divida a “culpa”.
Leia mais:
– Emicida e Ronald Rios (CQC) preparam sitcom de Hip Hop inspirada no rapper;
– Ronald Rios, repórter do CQC, deve lançar CD de RAP ainda este ano.
“A equipe do ‘Doc’ gosta de rap. Todos dão ideias e entra o que tem mais a ver com o VT. Eu fico orgulhoso demais de ter Racionais, Emicida, MV Bill, RZO… na trilha dum quadro que amo tanto fazer”, contou-nos. E essa ligação com o gênero musical é antiga.
Embora morar na quebrada não seja garantia de fanatismo pelos versos, para ele a relação foi naturalmente se estreitando. “Rap é minha trilha-sonora; sempre me identifico com várias letras”, diz. Com a infância que teve, não nos surpreende nem um pouco que se veja em vários sons.
“Meu pai tinha outra família, eu nunca fui registrado por ele. Ele ajudava minha mãe com uma marreca. Ela sempre teve que se virar, fez faxina, barraquinha de lanche… foi muita ralação e ela nunca deixou faltar nada. Eu morria de vergonha do meu pai mas vivia de orgulho da minha mãe”, relembra.
Mas, assim como muros são utilizados para chegar a lugares mais altos, Ronald sempre viu os obstáculos como motivadores para alcançar objetivos maiores. “Estar naquele lugar, estar duro, estar com raiva do mundo, com inveja das pessoas felizes que tinham coisas bacanas, isso tudo te dá força. Você tá disposto a tudo para vencer e sair da merda”, defende.
Não à toa, pelo menos na questão artística, as maiores inovações têm saído das periferias. E a gente nem precisava da tese de doutorado que analisou o Racionais para saber que o RAP tem muito a ver com isso. “[O Rap] me motiva todos os dias”, reforça o repórter do CQC.
Aliás, falando no grupo de maior referência na história do Hip Hop Brasileiro, Ronald Rios lembra que “Sobrevivendo no Inferno” foi a primeira vez que teve seus olhos abertos pelo gênero e revela seu desejo de entrevistar Mano Brown.
“Mais do que todas as lendas gringas. Mais que Pac, mais que tudo. Queria falar sobre o Brasil com ele. Queria a visão dele ouvida por mais gente”, completa.
Abaixo cê confere a entrevista completa:
Vi cê falando algumas vezes sobre ter vindo de uma favela, no Rio. Muito perrengue na infância? Qual sua lembrança dessa época?
Tanta coisa, mano… meu pai engravidou minha mãe e botou ela para morar no Morro do Adeus, favela do Complexo do Alemão. Meu pai tinha outra família, eu nunca fui registrado por ele… ele ajudava minha mãe com uma marreca. Ela sempre teve que se virar, fez faxina, barraquinha de lanche… foi muita ralação e ela nunca deixou faltar nada. Eu morria de vergonha do meu pai mas vivia de orgulho da minha mãe.
E sobre morar numa quebrada… velho, eu sempre me dei bem com todo mundo. Tinha amigo que cresceu e foi trampar na Telemar, ou foi trampar num posto de gasolina… e tive meus amigos que infelizmente foram parar no crime. Era só não misturar as coisas, nunca aparecer na minha casa com droga e arma e nossa amizade era nosso Play 1, o futebol em frente a sorveteria na rua… e é isso. Não tinha preconceito não.
Vi muita coisa zoada e é meio doido como eu sou anestesiado para crime, violência, essas coisas. Quando mudei para São Paulo e fui me tornando um cara “de classe média” num bairro bacana, fui vendo como minha infância foi num ambiente absolutamente louco e como de dentro, a guerra do tráfico parece tão “natural” ao cenário.
É cada vez mais frequente a gente ver pessoas de destaque, principalmente na parte criativa, oriundas da periferia. Tenho uma teoria que as dificuldades e até o fato de começar a trampar mais cedo, se minam a infância, acabam dando à pessoa mais recursos, mais habilidades quando jovem/adulta. O que cê acha?
Definitivamente! Estar naquele lugar, estar duro, estar com raiva do mundo, com inveja das pessoas felizes que tinham coisas bacanas… isso tudo te dá força. Você tá disposto a tudo para vencer e sair da merda.
É dessa época que vem seu gosto pelo RAP? Teve algum momento de “porra, essa música tá falando comigo” ou sempre foi mais pelo entretenimento mesmo?
Sempre. Rap é minha trilha-sonora. Sempre me identifico com várias letras, conheço histórias, tenho minha cultura enriquecida, atiça minha curiosidade… e me motiva todos os dias.
Teve algum álbum que, sei lá, marcou/mudou sua vida? Por quê? (pode ser mais de um, claro)
Hm… Racionais com Sobrevivendo no Inferno foi a primeira vez que… eu tive meus olhos abertos pelo rap.
O que cê ouvia quando era moleque e o que cê tem ouvido hoje? (Tanto gringo quanto brasileiro se tiver dos dois)
Tudo que eu ouvia nas antigas, ouço hoje. Meu começo no rap veio com Racionais, Sabotage, 2Pac e Eminem. Era tudo que eu ouvia no princípio. Ainda ouço esses bastante, mas hoje gosto muito também do Shawlin, Emicida, Tyler, Earl Sweatshirt, Jay-Z, NWA, Nas, Roots… Rakim, eu adoro… Kendrick, ah tudo. Viva ao rap!
No CQC, no “Documento da semana”, cê coloca vários RAPs na trilha sonora. Como é que cê escolhe? Cê busca na sua memória alguns sons relacionados com o tema, escolhe os que mais gosta, recebe dicas…
Ah… a equipe do Doc gosta de rap. Todos dão ideias e entra o que tem mais a ver com o VT. Eu fico orgulhoso demais de ter Racionais, Emicida, MV Bill, RZO… na trilha dum quadro que amo tanto fazer.
Aliás, como é que surgiu o “Documento da semana” e como é feita a escolha dos temas? É uma pegada bem mais social do que qualquer outro quadro do programa, bem mais que o “Proteste já!”, por exemplo.
Ficamos atentos a tudo de importante que está rolando – ou está sendo ignorado mas é interessante – e tentamos contar a história.
O CQC sempre teve um tom contestador, mesmo que fosse uma zoada nos políticos. Mas, meu, você tá lá no meio da parada, tava lá na favela da Telerj e também naquele povoado no México, se não me engano, que os locais expulsaram os traficantes e tal. Qual é a sua pegada pra fazer essas matérias? Normal da profissão mesmo ou você sente que tem um algo mais?
São experiências únicas, cara. Poucas pessoas podem estar tão próximas a notícia como eu estive nesses momentos que você citou. Novamente, um privilégio. Adoro a adrelina desses cenários atípicos.
Em um determinado momento, você nos falou pelo Twitter sobre um outro projeto seu; um projeto com o Emicida. Isso ainda tá de pé? Tem alguma coisa que cê pode adiantar já? Rs
Posso… eu e o Emicida temos várias ideias quando batemos papo, que a gente pira… mas nossas agendas nunca batem 100%. Mas entre algumas esboços que já tivemos… uma ideia está muito bem desenvolvida. Uma sitcom sobre hip hop inspirada nas experiências do Emicida nesse mundo. Temos roteiro do piloto pronto e está em pré-produção.
Pra terminar, normalmente, a gente pergunta aos(às) rappers sobre parcerias musicais. Como você é repórter, queremos saber: qual rapper que cê tem uma vontade monstra de entrevistar? Por quê e o que cê perguntaria a ele/ela?
Eu queria muito entrevistar o Mano Brown. Mais do que todas as lendas gringas. Mais que Pac, mais que tudo. Queria falar sobre o Brasil com ele. Queria a visão dele ouvida por mais gente.
Se cê quiser deixar algum recado ou passar uma mensagem sobre algo que esqueci de perguntar, espaço aberto.
Eu vou lançar uns sons esse ano. Um EP. Um disco com meus raps. Acho que você tá dando esse furo… (leia mais aqui!)
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