Entrevista exclusiva: Marco Gomes, fundador da boo-box, comenta influência do RAP em sua vida e o “momento da salvação”

Ele, definitivamente, não é o empresário comum. Aos 20 anos, em 2007, Marco Gomes fundou a boo-box, que se tornaria uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo em 2012.

Em 2013, ele próprio foi escolhido como a pessoa com o trabalho inovador de maior significância a longo-prazo em marketing do mundo (ou, como foi dito por aí, o “melhor profissional de marketing do mundo“), à frente de gente como a lenda Guy Kawasaki, conselheiro especial de negócios da Motorola/Google.

Entretanto, o seu diferencial que iremos explorar hoje é outro: sua admiração pelo RAP Brasileiro. Oriundo do Gama, no Distrito Federal, a 44km de Brasília, ele conta que iniciou muito cedo ouvindo Câmbio Negro com seu tio e, evangélico desde os 8, se identificava com Provérbio X, Apocalipse 16, entre outros do RAP Gospel.

“Conforme fui crescendo, conheci mais profundamente outros artistas desde os conhecidos na grande mídia, como Gabriel o Pensador e Marcelo D2, até os mais locais como Vadioslocus, Alibi e Provérbio X”, conta. Entretanto, a dificuldade em encontrar CDs de RAP nas lojas e possuir o dinheiro para adquiri-los eram grandes problemas. “A popularização do MP3 e das redes peer to peer (Napster, Audiogalaxy, Torrent) foram importantíssimas nessas minhas descobertas”, afirma já destacando a influência da Internet no meio musical.

Mas, o momento em que o “Hip Hop salvou sua vida” veio um certo tempo depois. Marco trabalhava o dia todo, estudava à noite, dormia pouco e se alimentava mal; conhecemos a rotina.

“Eu estava me arrastando para o ponto de ônibus que ficava aproximadamente a 1 km de casa e cada passo era uma luta. Eu estava muito cansado e pensando em desistir da faculdade, eu cursava Computação na UnB, mas não aguentava mais dormir tão pouco e não ver resultados do meu esforço. Eu ouvia um diskman e começou a tocar ‘Vida é Desafio’ dos Racionais, os discursos falam muito claramente de superação, que ‘corrida hoje, vitória amanhã’, ouvir este verso foi uma injeção de ânimo e uma lição de vida para sempre”, relembra.

Especialista em publicidade e Internet, Marco também falou sobre a transição da grande popularidade do RAP online pra participações na TV, a relação do gênero com as empresas e o mercado independente; voz ativa nas redes sociais durante os protestos, ele comentou o importante papel das mesmas nas manifestações.

Leia abaixo a entrevista completa com o empresário:

Marco Gomes e camiseta Um só caminho
Foto: Arthur Nobre

Costumeiramente, podemos ver em seu perfil no twitter versos e até comentários sobre notícias do RAP, além de alguns textos mais antigos em seu site. De onde vem o seu gosto pelo gênero? Quando e, talvez, como cê começou não só a escutar, mas a entender e viver mais a cena?

Cresci no Gama, uma cidade a 44 km de Brasília, como em toda periferia, a convivência com gêneros mais populares sempre fez parte do dia-a-dia e o rap sempre me agradou. Lembro de ter uns 7 anos de idade e meu tio ouvir Câmbio Negro (“muleque besouro sem asa, não é qualquer prego que apronta na minha casa”). Com 7 anos, tudo que eu entendia era o X chamando alguém de muleque besouro sem asa, e achava um xingamento muito divertido :)

Conforme fui crescendo, conheci mais profundamente outros artistas desde os conhecidos na grande mídia, como Gabriel o Pensador e Marcelo D2, até os mais locais como Vadioslocus, Alibi e Provérbio X. Mas no Gama praticamente não haviam lojas de CDs com boa oferta de rap, e mesmo que houvessem, eu não tinha dinheiro para comprá-los, então a popularização do MP3 e das redes peer to peer (Napster, Audiogalaxy, Torrent) foram importantíssimas nessas minhas descobertas.

O rap gospel sempre teve um papel crucial na minha vida também, sou evangélico desde os 8 anos de idade e me identificava com o discurso dos artistas de Provérbio X, Apocalipse 16, Lito Atalaia, Lecrae.

Além disso, o rapcore de bandas como Planet Hemp, 10zer04 e Rage Against The Machine também influenciaram fortemente minha adolescência.

Aliás, no background do seu twitter, cê tem CDs do Racionais, GOG, MV Bill, Pentágono, Rashid, entre outros. Além desses citados, quais rappers cê escuta no dia a dia? Algum te influenciou/inspirou mais diretamente durante a sua vida pessoal e/ou profissional?

Lembro muito bem do dia em que “O Hip-Hop Salvou Minha Vida” (como diz a camiseta do Lab. Fantasma): Como muitos outros jovens do Brasil, eu tinha uma rotina muito cansativa, trabalhava o dia todo, estudava a noite, dormia pouco e me alimentava mal. Um dia, após acordar 6 da manhã para pegar o ônibus e fazer uma viagem de aproximadamente 1h30m até o Plano Piloto (que é como chamamos Brasília), eu estava me arrastando para o ponto de ônibus que ficava aproximadamente a 1 km de casa e cada passo era uma luta. Eu estava muito cansado e pensando em desistir da faculdade, eu cursava Computação na UnB, mas não aguentava mais dormir tão pouco e não ver resultados do meu esforço. Eu ouvia um diskman e começou a tocar Vida é Desafio dos Racionais MC’s, os discursos falam muito claramente de superação, que “corrida hoje, vitória amanhã”, ouvir este verso foi uma injeção de ânimo e uma lição de vida para sempre, eu acelerei meus passos, cheguei rapidamente no ponto de ônibus e continuei meu corre de todo dia :)

No dia-a-dia eu tenho escutado muito Rashid, Amiri, Emicida, Facção Central, Racionais MC’s, GOG, Provérbio X, Mos Def, Funkero, Common, eMC, Projota, Move.Meant, Murs, 9th Wonder, J Dilla. Vocês podem conferir tudo que ouço no meu Last.fm. Uma informação curiosa é que aqui na empresa temos um rapper, de mixtape gravada, procurem pelo trabalho de Vinícius Bino.

[Conheça a mixtape “Minha mente, mó baderna”, do Bino.]

Falando em Rashid, recentemente você publicou uma foto com ele e o Eduardo Lyra. Podemos esperar algum projeto em parceria pro futuro? O que você pode nos adiantar?

Sempre me identifiquei com o discurso de respeito e superação do Rashid, os versos inteligentes e diretos aliados à produção e instrumentais bem-feitos. O Eduardo Lyra é um exemplo para mim e outras centenas de milhares de jovens pelo Brasil, lutou e hoje vive seu sonho, batalhando diariamente para inspirar jovens do país todo. Resolvi fazer um jantar com ambos lá em casa para aproximar mentes tão produtivas, no jantar nasceu um projeto de transformação através do Rap de uma comunidade na Zona Leste que apoiamos, na cidade de Poá. Mas por quanto isso é tudo que posso dizer, fiquem ligados que em breve devemos ter novidades!

A Internet trouxe pro RAP muito mais que os benefícios expostos na “Cauda longa”, ela proporcionou um discurso direto com os fãs, sem o intermédio de terceiros. Entretanto, com a explosão das redes sociais e do próprio gênero, houve uma grande procura dos grandes veículos tradicionais pelos rappers. Como um dos caras mais respeitados do mundo na área de marketing, principalmente no digital, você acredita que essa aproximação se deve apenas a uma tentativa de abocanhar uma parcela dessa popularidade do gênero na Internet ou tem algo mais? Como fã do RAP, o que você acha da maior participação dos rappers na TV?

O Pregador Luo diz que “O dinheiro move o mundo (mas não move quem o criou)”, essa é a verdade. As mídias de massa se aproximaram do rap e do funk unicamente para faturar sobre a audiência que o gênero tem nas classes C, D e E. Mas isso não é ruim, nem necessariamente negativo. Pedro Gomes (ex-produtor do Pentágono e mente ativa na cultura hip-hop nacional) resume muito bem: A mídia vai usar o rap, mas o rap tem que usar a mídia também.

Eu acho excelente a maior exposição dos rappers na TV e outras mídias de massa, mostra para as “velhas gerações” que nós existimos, que nós podemos ser mais. Não podemos nos corromper, mudar discurso nem suavizar as pedradas no que é errado. Observando carreiras de artistas como Emicida e Criolo notamos que os versos de hoje são tão verdadeiros e cortantes quanto eram 10 anos atrás. Com os artistas verdadeiros, nada mudou, quem se vende e muda discurso já ia se vender de qualquer jeito, então temos que ignorar os ruins e trabalhar pelos bons.

Por isso, hoje, vemos vários rappers com números surpreendentes de popularidade. Não são só uns 4 ou cinco, são dezenas. Você não acha que tá mais do que na hora de as grandes empresas olharem mais pro RAP e realizarem ações pra esse público? Não digo contratar como porta-voz em uma propaganda, mas algo como a Intel fez com o Emicida no processador de rimas; algo específico, até porque o endosso de grandes marcas diretamente nunca é bem visto por aqui. Ou será que estamos olhando pra história do rolezinho novamente: ao invés de aproveitar a quantidade imensa de pessoas, as lojas fecham as portas com “medo do possível cliente”?

Essa história do Emicida com Intel e Vice é curiosa pois aqui na empresa participamos ativamente da ação, toda a campanha no Twitter foi feita por nós e eu fiquei pessoalmente muito feliz em fazer parte de algo histórico para o rap nacional. A plataforma usada foi o Social Rap, tocado pelo Pedro Gomes, e deu um resultado muito legal para o cliente e para o artista, foi incrível! Conheçam o SocialRap e façam parte também :)

Eu não consigo ser MC, nem produtor, nem posso contribuir com o hip-hop fazendo arte :) Mas usei o que tenho nas mãos para colaborar com o movimento. Eu sei programar e criar produtos para a web, então fiz o SocialRap, um aplicativo para Twitter com uma rede de voluntários que distribui trabalhos de rappers pelo twitter, alcançando mais de 2,6 milhões de pessoas atualmente, tudo grátis, sem custo para o rapper nem para as pessoas que fazem parte da rede. Você, leitor desta matéria, faça parte também! Não custa nada e você colabora com rappers que estão começando e precisam da nossa força :)

O espaço do rap está aumentando na mídia, e, com isso, também em ações publicitárias, já vimos alguns livestreams de rap e outras ações patrociadas por grandes marcas. Recentemente lembro de livestreams com Rashid e Rael, além de festivais patrocinados por grandes marcas, com shows de Emicida e Criolo por exemplo. Ainda há muito espaço a ser conquistado pelo rap, mas estamos cada dia mais ganhando nosso lugar, o importante é usar este espaço para fazer o rap crescer.

Talvez por isso, muitos rappers começaram a trabalhar de forma independente não só suas músicas, mas produção de CDs e camisetas. Criaram uma verdadeira empresa independente e rejeitam grandes empresas por não enxergarem condições melhores (vide Emicida). Além de construir um site e colocar anúncios da boo-box, que conselhos você daria pra esses caras, principalmente os que tão começando?

Uma presença profissional em mídias sociais é o mais poderoso recurso que um artista pode ter atualmente. Recentemente elogiei o Slim Rimografia no Twitter e recebi uma resposta agressiva, obviamente a resposta não foi publicada por ele, que está no BBB incomunicável, foi algum assessor ou amigo mal treinado que interpretou mal meu elogio e respondeu agressivamente, coisa que jamais poderia acontecer. É preciso que o artista trate seus canais profissionalmente, e isso não quer dizer de maneira impessoal e fria, pelo contrário, é positivo que ele exponha detalhes de seu dia-a-dia para os fãs, mas a exposição e relacionamento precisa sempre acontecer maneira profissional e respeitosa com o fã que está acompanhando.

Pra finalizar, indo um pouco além do RAP, mas se mantendo na parte de contestação, você foi uma voz ativa nas redes sociais durante os protestos que tomaram conta do Brasil no ano passado; ainda é quando se trata de cobrar empresas, autoridades, etc. Quanto a resultados efetivos, o que você acha sobre a cobrança online a autoridades/governos? Provavelmente sempre será conhecido como “slackativism” ou “ativismo de sofá”, mas será que isso é assim tão ruim quanto fazem parecer?

Ainda na época das manifestações eu escrevi um texto sobre a importância do “sofativismo” para os protestos que ocorriam na rua (leia aqui). O sofativismo é importante não apenas como expus no meu texto, passando informações para quem está nas ruas, mas também como criador de conscientização e amplificador de informações e notícias. Há resultados reais do chamado “sofativismo”, foi a replicação das notícias em redes sociais que impediu o TSE de vender informações de eleitores para o SERASA, foi o ativismo em redes sociais que fez o Google enfrentar o ECAD e impedir a dupla cobrança por compartilhamento de vídeos do YouTube em blogs (saiba mais). O ativismo de sofá é importante.

Um comentário

  1. 02/10/2020
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    Nossa! Sem palavras… pensando aqui, nas crianças e jovens do Grajaú que precisam saber dessa “cabeça pensante ” . Dez minutos de leitura e uma ampla janela se abrindo. Obrigada Marcos.

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