Atualizado em 15/01/2017
Na última madrugada, Criolo disponibilizou de forma gratuita a releitura do CD “Ainda há tempo”, lançado originalmente há 10 anos. O rapper iniciou também há algum tempo uma turnê especial pra celebrar este ano especial. A homenagem ao seu primeiro disco é tão importante e necessária quanto é bonita e bem-feita.
Conheci o trampo do Criolo já como Criolo, no single “Não existe amor em SP”. Eu já sabia quem ele era das batalhas da Rinha, no Youtube, e de uma foto ao seu lado, no “Encontro das Ruas”, em Joinville, em 2010. Embora ele sempre tenha feito participações e entrevistas marcantes, é impossível você conhecer um rapper sem escutar suas letras.
“Nó na orelha” foi um marco até na minha vida: com a explosão nacional, sendo considerado o melhor CD do ano por muita gente, foi uma das primeiras vezes que eu lembro poder falar de um rapper sem que as pessoas virassem a cara ou tratassem com preconceito. Tudo bem, pode-se discutir se aquele era ou não um CD de rap propriamente dito. No entanto, eu prefiro ficar com a definição do próprio Criolo, na “Cálice”: “Meu berço é o rap, mas não existe fronteira pra minha poesia”.
Perdi a conta de quantas vezes eu escutei cada faixa, de quanto passei a admirá-lo a partir dali. Mesmo assim, demorou um tempo, uns anos, pra eu procurar saber mais e descobrir o seu primeiro disco. Deve ter sido pra 2013 porque eu lembro de sentir a mesma coisa que senti quando descobri o som do Síntese, no ano anterior. Era algo simplesmente cru, puro, cheio de emoção nas linhas. “Este é o melhor CD de rap que eu ouvi este ano”, pensei, como pensei no do Síntese, mas… era um CD de 2006! Ah, e claro, não havia discussão com o “Ainda há tempo” original: era um CD de rap por completo.
Por isso, o relançamento do disco é tão importante. Vai fazer com que muitas pessoas conheçam o conteúdo dessas letras e, tomara, procurem o original; vai fazer com que as pessoas entendam um pouco mais esse “berço” do Criolo, que é o rap.
Mas, não é apenas por isso; é também o momento em que ele chega. O País se encontra em um de seus piores momentos. A crise econômica pesa, com certeza, mas nada tem pesado tanto quanto a crise representativa e até uma crise pessoal. Os políticos escolhidos pelo povo e para representar o povo fazem uma cagada nova por dia; o povo definitivamente não sabe mais em quem confiar, o que fazer. O cenário é perfeito para figuras tenebrosas aparecerem e tomarem a cena. Isso já aconteceu antes.
E, mesmo assim, dez anos depois, continua aquela vozinha dizendo que “as pessoas não são más, elas só estão perdidas; ainda há tempo”. Continua aquele rapper do Grajaú olhando positivamente pra cada um e dando forças pra seguir. “Ainda há tempo” pode até mostrar uma realidade dura, mas, pra mim, nunca deixou de ser um CD positivo; nunca deixou de representar um conteúdo de muita luta.
Entretanto, será que ainda há tempo? Será que as pessoas estão realmente só perdidas? Acredito que sim. Acredito porque convivo de perto com muita gente que em meio a tantos posicionamentos racionais e sadios, ainda comete certas “gafes”; gafes estas que foram claramente empurradas goela abaixo em algum momento de suas vidas.
Sim, acredito que o Síntese esteja certo quando versa que “sua ignorância vem de casa. (O que) quase justifica seu jeito de pensar, mas não te isenta se frente a real você não tenta mudar”. Não acho errado se afastar ou bloquear esse tipo de pessoa, mas, dependendo do caso e da relação, acho que uma aproximação, uma tentativa de ser/apresentar essa “real” que o som fala, ajudaria mais.
Temos a errônea concepção que por disponibilizar a informação em um site, em uma música que seja, todos têm acesso a ela. Não são todos que conseguem absorver certas coisas de letras; muitos precisam de uma indicação, uma confrontação, algo mais direto. Não é fazer com que a pessoa pense do jeito que você quer que ela pense, mas fazer com que a pessoa coloque algumas coisas em perspectiva. A real é que se você apenas seguir o caminho que a sociedade atual te aponta, em algum momento, você vai parar de refletir as novas informações, as ações e vai passar a apenas engolir o que te dão. Afinal, é muito mais fácil dessa maneira.
Refletir exige tempo. Considerar os mais diversos pontos de vista então, nem se fala. Algumas pessoas são más também, claro que são, mas a maioria apenas se perdeu, afinal, quem tem tempo pra ficar refletindo, né? Muitos defendem que devemos simplesmente aceitar isso como diferença e virar as costas; outros que devemos resgatar.
Eu? Eu continuo só querendo que essa música te leve amor.
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