Depois de uma viagem de mais de umas 10 horas, fui direto para o Memorial da América Latina. Consequência: cheguei ao 7º Encontro Paulista de Hip Hop umas 4 horas antes de começar. Vazio, apenas alguns funcionários preparando as coisas. Dei uma olhada na grade da programação e percebi que a tenda “Abaobá” seria minha base; instalei-me.
Ali, vi um debate grandioso sobre o tema do ano, “Sonhos [EM]Quadros”, com Sandrão, do RZO, Preta Rara e Malu Viana, ambas da Frente Nacional de Mulheres do Hip Hop, e a professora Elisa Lucas, da Coordenação de Políticas para População Negra e Indígena, além dos leitores críticos que instigavam ainda mais a conversa.
O principal assunto comentado foi a participação das mulheres no Hip Hop e o desrespeito que estas sofrem perante a sociedade; o jovem negro na sociedade também foi colocado em pauta, levantando o tema do “Por que você atirou em mim?“.
O público ainda era pequeno, mas pareceu começar a chegar na sequência, quando os lugares para sentar foram praticamente ignorados e uma roda foi feita em volta das meninas do breaking que homenagearam a São Bento, famosa pela dança de rua nos anos 80-90 e um dos berços do Hip Hop no Brasil.
Embora fossem meninas mais jovens que em sua grande maioria não conhecessem a época de ouro da estação, o agradecimento pelas raízes daquilo que amavam ficou marcado em forma de algumas palavras e principalmente dos passos ágeis e estilosos da dança.
Quando Max B.O e Mamuti chegaram pra fazer um freestyle misturado com a Embolada de Peneira e Sonhador, acompanhados do DJ Dagoma e do Minoro Beat Box, a tenda já estava lotada. Todo mundo pôde acompanhar de perto o improviso em suas melhores formas, com muita descontração e piadas vindas de todas as partes.
Era o refresco que a tenda precisava em meio ao calor, que estava prestes a aumentar ainda mais no bate-papo seguinte. Com o tema “Métricas, sons e resistência”, Marcello Gugu, Xis, Lucélia Sérgio, que é atriz e diretora na “Cia Os Crespos” e a Joana D’arc Soares, regente de coral e cantora, além dos leitores críticos, debateram principalmente o RAP, a vertente do Hip Hop mais voltada para a música.
Quando o assunto começou a girar entre ideologias e a relação entre RAP e Funk, o calor do sol era fichinha perto da temperatura do debate. Claro que as diferenças de opinião iam surgir, mas como ressaltou o Marcello Gugu: a divergência nas opiniões só fortalecem.
Sem dúvida! É muito mais fácil acabar com um movimento que você sabe o que todo mundo pensa. Não é a questão de dividir o RAP/Hip Hop, mas verificar a importância do “Um só caminho…” tão defendida pelo Marechal: várias mentes com pensamentos e ações diferentes unidas em busca de um mesmo ideal.
Aliás, o mesmo Gugu transformou suas considerações finais em a capella de “Gil Scott Heron” e uniu todo público que antes se dividia nas opiniões; uniu-os em palmas uníssonas em concordância à letra.
Ah, o Hip Hop. Ainda tinha grafite, workshop de DJ, oficina de breaking pras crianças e até “Hora do Conto” com a Dona Jacira, mãe do Emicida. Tinha espaço pra venda de livros e CDs, torneio de basquete, exposição de carros, bikes e até de Boom Box.
Pra terminar, ainda rolaram dois shows incríveis. Primeiro, a DJ Simmone Lasdenas convidou Rose MC, Sara Donato, Preta Rara, MC Preta Ary, Feniks e a Stefanie MC, que mostraram que as minas não só devem ser respeitadas, mas também valorizadas pelo enorme talento que possuem nos versos.
Depois, DJ King convidou Raphão Alaafin, que colou com os manos do Caos do Subúrbio, Xis, Potencial 3, Sandrão e a lenda viva Pepeu, que foi muito homenageado. 10 horas de evento fechadas com chave de ouro, mas que vale muito mais que o próprio ouro, sem dúvida alguma.
Ah, não se esqueçam: tudo isso de graça! Até que passaram muitas pessoas pelo evento, mas nem perto do que deveria. Sim, era dever do Hip Hop lotar o espaço conquistado. Reclamam que falta cultura e que o Hip Hop, principalmente os rappers, se perderam e só cantam pra playboy, mas quando rola evento assim ninguém cola?
Pela grandiosidade do evento, mesmo se fosse cobrado, o público teria sido uma vergonha. E não venham me dizer que não sabiam, pois se a informação chegou pra mim no interior de Santa Catarina, chegou pra você também, bastava prestar atenção no Hip Hop mais do que nas biras que as baladas lhe reservam.
Entretanto, isso não estragou a festa. Pelo contrário, a “pequena” quantidade de pessoas só é realmente sentida pela alta qualidade do evento, naquela de pensar “puta merda, olha o que tanta gente tá perdendo!”. Em um tempo que o filme “Cidade cinza” destaca o quanto o governo proíbe manifestações culturais na cidade, o Encontro Paulista de Hip Hop era quase que um momento de sanidade.
Reunir todo colorido, toda ousadia e por que não toda alegria das manifestações de rua em um mesmo local, ainda mais em um local dedicado a classes mais altas, foi quase como se, em meio a tanto cinza e tanta proibição, a cidade de São Paulo tivesse permissão de voltar a sorrir novamente…
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