Atualizado em 11/03/2013
Antes mesmo de eu ter idade o suficiente para entender uma música, eu já ouvia Racionais. Acho que eu nem sabia direito o que era RAP, mas ainda assim colocava aquelas faixas na mixtape do meu irmão. Acho que decorei “Hey, boy” antes mesmo de decorar a tabuada.
Depois de alguns anos, quando já era possível entender a mensagem das músicas e a representação do Racionais pra cultura Hip Hop, que eu gostava tanto, foi fácil virar fã. Aliás, fã parece uma palavra muito simples pra descrever o respeito e admiração pelo grupo. Era algo muito maior que isso, mas na falta de uma palavra melhor, deixa estar.
Assim como qualquer outro admirador, queria conhecer os caras; queria assistir a um show. Você pode escutar as músicas 24 horas por dia no seu computador, mas estar lá é diferente; dar e receber as vibrações positivas que um show de RAP oferece é prêmio pra quem sai de casa e vai atrás. E assim foi.
Respeito é pra quem tem
O Curitiba Master Hall estava programado para abrir às 21 horas para o show do Racionais, no último dia 8 de março. Depois de algumas horas de viagem, chegamos depois da meia-noite; sorte! Sorte porque o grupo entraria só às 3 horas da manhã, o que significava horas em pé. Se tudo tivesse dado certo, teríamos chegado mais cedo e aí o mal trato com o corpo teria sido maior.
Muita gente deve ter ficado as 6 horas inteiras esperando em pé, boa parte delas espremidos. Por isso, não condeno os que imploravam pra entrada do Racionais em meio aos outros shows que fizeram parte da noite, principalmente durante a apresentação do Rosana Bronk’s, que antecedeu Mano Brown e companhia.
É um desrespeito gritar o nome de outro grupo durante uma apresentação? Sim, com certeza, mas também é um desrespeito fazer o público esperar 6 horas em pé pela atração principal. Era óbvio que todo mundo estava ali para ver o Racionais, qualquer outra apresentação não seria tão bem-vinda.
Será que foi uma boa divulgação pros outros grupos? Ou será que a galera tava tão focada no Racionais que nem prestou atenção em mais nada? Aliás, de onde eu estava (na lateral, algumas fileiras à frente do palco), mal conseguia se escutar direito a música se não se conhecia a letra.
É algo que precisa ser trabalhado melhor. Não estou apontando culpados, até porque não sei quem decide sobre isso. Mas, já é hora de analisar se o público, principal motivo de existir o show, realmente ganha com esse tipo de ação.
Um ótimo grupo começa por um ótimo DJ
O dia já havia virado; era 9 de março. Fui descobrir depois que era o “Dia do DJ”. Mas, a verdade é que, pro KL Jay, todo dia é dia do DJ. Um destaque à parte.
Quando ele entrou, chegávamos perto das 3 da manhã e a galera foi ao delírio. Claro que o fato de estarem esperando tanto tempo influenciou, mas o respeito pela qualidade que ele sempre demonstra falava muito alto.
Não é só um dos melhores hoje, não é só um dos melhores da história do RAP Brasileiro, mas é também um dos mais importantes, tanto pra arte de ser DJ quanto para o próprio RAP em si.
Com toda maestria de quem inspirou tantos, KL Jay fez do dia dele o nosso dia.
Até que enfim, Racionais…
Obviamente, a entrada do KL Jay abria as portas pra chegada do grupo todo. Poucos minutos depois, a luz apagou. O pano preto do fundo foi substituído por um grande palhaço. Uma pá de gente entrou com as camisetas da Vila Fundão, já famosas nos shows do Racionais, inclusive no realizado no VMB de 2012.
O público foi ao delírio extremo. O show acabava de começar pra valer e o cansaço que antes dominava o corpo já havia sido substituído pela emoção de comparecer a mais um capítulo da história do Racionais e, consequentemente, do RAP Brasileiro.
O Master Hall tava praticamente lotado e cantou junto cada um dos clássicos, que não são poucos. De “Vida Loka” a “That’s My Way”, do Edi Rock com o Seu Jorge, que foi interpretado por um dos membros da equipe.
Perdoem a minha redundância, mas foi um show!
“Jesus Chorão”
Durante a semana, quando foi amplamente divulgada a morte do Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr., os integrantes do Racionais lamentaram enormemente a perda, através de seus perfis oficiais no Twitter. Além disso, o próprio Mano Brown foi ao velório e disse estar com o “coração partido”. Recentemente, o grupo havia dividido o palco com o vocalista no Planeta Atlântida.
No show, o primeiro depois da morte de Chorão, o grupo homenageou-o. Ice Blue começou a falar sobre a depressão, considerado como o “mal do século 21”. O sentimento da perda foi passado do grupo para o público, que mesmo os que talvez não gostassem do vocalista, sentiam a tristeza. Era um momento de reflexão.
Os trovões surgiam durante o depoimento. Todo mundo já sabia o que viria pela frente. Depois de citarem Chorão, Mano Brown voltou a ser destaque e, acompanhado pelo público, cantou “Jesus Chorou”.
Foi um daqueles momentos que era preciso estar para entender, para sentir. “Tô chapando, eita, mundo bom de acabar…” diz a letra. E ele acabou pro Chorão, pros seus familiares, pros seus amigos e pra muita gente.
Nada vai trazer ele de volta, mas naqueles poucos minutos, com a força de um dos maiores grupos de RAP que o Brasil já viu e provavelmente vai ver, ele parecia ter estado presente.
P.S.: vale dizer que no final do show, foi entregue nas saídas algo como um cartão postal que homenageava o Chorão. Lia-se: “uma homenagem do Curitiba Master Hall a um dos arquitetos da música brasileira”.
Por que o Racionais ainda é o melhor do Brasil
Um artista ficar um tempo afastado, sem lançar músicas novas, e mesmo assim carregar multidões por onde passa não é lá uma grande novidade. Um artista cantar músicas de 20 anos atrás e mesmo assim ter milhares de pessoas cantando junto, também temos diversos exemplos. Agora, um artista consagrado, praticamente inquestionável, fazer um show de 2 horas com o pique de quem tá começando a carreira, é coisa para poucos, muito poucos!
Tudo bem, os caras tens sons de mais de 6 minutos, era preciso de mais tempo para conseguir cantar pelo menos os clássicos, mas é de se arrepiar ao ver a disposição de um Mano Brown no palco, mesmo com toda bagagem. Ele poderia ficar ali parado no meio, só rimando as letras, e já seria monstruoso. Mas, não, fez valer cada segundo esperado.
Percorreu o palco todo, organizou gestos com os integrantes do grupo, montaram até algo que parecia um mini-teatro fugindo dos tiros e voltando pra música “Eu sou 157”. Disposição incomparável.
Trocaram de roupa, meteram uns champanhes no palco, chamaram algumas pessoas da plateia e se prepararam pro encerramento, que viria com Vida Loka II.
Já fui em alguns shows de RAP e a maioria deles muito bons. Quando eu vou a um show de RAP, espero do artista muito mais do que simplesmente rimar suas músicas. Na maioria dos shows há um sofrimento, seja da espera, da viagem, do ingresso, então é óbvio que eu quero muito mais do que chegar lá e só ouvir o que eu ouviria em casa no CD.
Você quer sentir que aquilo tudo valeu a pena e que o artista que está no palco saiba disso. Você quer que ele retribua. O Racionais retribuiu com sobras. Sabe quando no futebol há um golaço e dizem “esse é pra sair e pagar o ingresso de volta”? Pois é, foi mais ou menos esse o sentimento.
Só de ver que os caras foram humildes o suficiente pra dar tudo de si naquele palco, já foi arrepiante. Estamos falando de um grupo que não tem mais nada pra provar e mesmo assim passa em todas as provas, toda vez que dá as caras.
De onde os caras tiram a motivação pra continuar dando o melhor de si mesmo depois de tantos anos, mesmo depois de terem alcançado praticamente os maiores níveis de qualidade, é difícil imaginar. Eu só espero que continuem tirando essa motivação por muitos anos ainda.
E eu espero que eu possa vê-los muitas outras vezes. Eu espero que vocês possam vê-los muitas vezes. Eu espero que os nossos MCs possam escutá-los muitas vezes. Eu espero que o RAP possa contar com eles por muito mais anos.
Foi mais um sonho realizado. Posso até não ter visto Pelé jogar futebol, mas já posso dizer pra todo mundo que vi um show do Racionais e, no fim das contas, acho que foi até melhor assim…
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