Atualizado em 21/03/2022
Cansado de dar munição fácil aos seus adversários nas batalhas de MC e da pouca representatividade da alcunha, Moska resolveu investir em sua carreira de rapper com outro nome. Afinal, além do inseto insignificante, “Moska” também podia facilmente ser usado para referenciar o verbo “moscar” (vacilar).
Influenciado pelos amigos, que diziam que ele parecia ser descendente de árabes, ele procurou algumas palavras na língua local e, entre tantas possibilidades, escolheu “Rashid”.
“Rashid” significa algo como “aquele que é guiado corretamente” ou “guiado pela fé verdadeira”, mas, de forma mais simples, “o justo”.
Caiu como uma luva. O rapper, que alcançou uma carreira bastante sólida sem se envolver em polêmicas, aproveitou o momento da cena para lançar “A primeira diss”. Entretanto, em vez de inflar seu ego e diminuir outros pra parecer maior, ele expôs todas as suas fraquezas e, em pouco mais de 5 minutos, tornou-se um dos mais fortes do rap brasileiro.
“A primeira diss” é um ataque mortal; eu não queria estar do lado que a recebe. Rashid pode nunca ter feito uma diss antes, mas a experiência dos anos como assíduo frequentador e participante das batalhas de MC, com certeza, fizeram uma grande diferença.
Ele não apenas ofende ou tenta se mostrar superior, como a maioria do que se vê hoje, ele é cirúrgico; lança versos que batem em pontos fortíssimos e da maneira mais pesada possível (o verso sobre “deixar a mãe em Minas”, se tivesse sido feito por outro MC e não por ele próprio, na boa, era caso de aposentadoria).
É óbvio que o fato de ele estar falando de si próprio facilita na busca pelos “podres”, mas, ao mesmo tempo, quem realmente gosta de se expor assim? Por um lado, ele tem todas as suas cobranças pessoais e todas as críticas vindas de pessoas próximas ou comentários de Internet para usar como munição, mas por outro era de se esperar que ele passasse um pano pra si mesmo.
Rashid foi, pura e simplesmente, justo. Não só de olhar pra si e buscar administrar seus erros antes de analisar os dos outros, mas de ir até o final e dar seu máximo se a ideia era fazer uma diss. Ele entrou numa batalha contra si mesmo, mais ou menos como o Rael aparece no ótimo clipe “Minha lei”, e deu tudo como se fosse de vida ou morte.
Não sei se as referências eram cobranças pessoais ou papo de hater, mas, ao se expor dessa maneira, ele enfraquece a maioria das futuras críticas, basicamente o que fez o B-Rabbit (personagem do Eminem) em “8 Mile”, como já foi muito bem observado por aí.
O que me chamou bastante atenção é que eu não consigo imaginá-lo como um grande MC de batalha. A extensa lista de vitórias e títulos que ele deve ter deduzo que se deve à sua criatividade e ao seu improviso, que sempre foram bons e, pelo que ouvi no mais recente DVD do Projota, estão ainda melhores. Mas, ele não parece ter um requisito bastante importante pra ser um dos melhores nessa área: não imagino que ele tenha a cara de pau de atacar alguém com coisas que não acredita.
Porque uma batalha é isso. É você achar que seu oponente mandou o melhor verso de todos os tempos e mesmo assim, quando você pegar o microfone, fazer parecer que foi a coisa mais idiota que já ouviu; é você dizer que o cara parece um membro do Restart, por alguma escolha de aparência, mesmo sem ter problema algum com a banda.
Essa batalha contra o Emicida é um perfeito exemplo disso. Tudo bem que puxar uma só referência chega a ser cruel, porque o Rashid podia só não estar num bom dia, mas como não quero falar sobre a qualidade das rimas, acho que não tem problema. O que eu quero falar é sobre como elas são apresentadas.
Rashid fala do momento, de representar, do sentimento, do rap. Mesmo nas poucas linhas que realmente ataca o Emicida, faz de maneira tão genérica que nem o mais sentimental dos MCs se sentiria atacado; ele próprio “se corrige” quando sente que “passou dos limites”. É bem verdade que o Emicida também manda uns versos bem cansados, mas ele não tem problema algum em atacar o adversário e até mostrar certo desprezo, como se não entendesse por que teria que enfrentar alguém tão fraco na final.
E isso nem é uma crítica ao Rashid, simplesmente não parece fazer parte dele, não condiz com quem ele é. Ele é “o justo”, lembra? Enquanto o Emicida tem essa marra do cara que vai pra cima e chama o destaque, meio espalhafatoso, que chama as pessoas pra verem o que ele fará, o Rashid parece fazer as paradas e depois contar o que já foi feito, vai pelas beiradas, come quietinho (o fato de ele quase ser mineiro é só uma coincidência!). Nem pior, nem melhor, diferentes.
Pra explicar melhor, usarei uma analogia com futebol, usando os times do coração deles. É como se o Emicida fosse o ex-santista Neymar e o Rashid o ex-corinthiano Paulinho. Ambos tão entre os melhores do mundo em suas posições e são titulares da Seleção Brasileira; os dois são importantíssimos pra equipe. Entretanto, o Neymar é o cara que vai pra cima, que chama o jogo e dá o drible, que não se importa da torcida adversária vaiá-lo; Paulinho é o cara da contenção, que cê pode falar muito de momentos, mas que no balanço geral impõe respeito e sempre fez a sua.
Mas, o Neymar também é o cara das firulas, dos deboches, provocações, polêmicas. É o cara que ninguém nega as habilidades dentro de campo, mas que fica difícil separar o extra-campo e acaba sendo muito odiado também, meio oito ou oitenta. No fim das contas, se você procura alguém pra te “representar”, como é feito e dito sobre os MCs, é bem provável que você busque o equilíbrio, o justo.
No entanto, por causa da sua atitude, o Emicida é também muito mais popular. Se muitos o odeiam, tantos quanto o amam e ele tem uma facilidade muito grande em levar as bandeiras que defende lá pra cima. E isso é importantíssimo. Como eu disse antes, não é uma questão de um estilo ser melhor que o outro, mas sim de serem diferentes.
Eu sei, comparações nem sempre são legais, mas ajudam a entender certos pontos. E eles mesmos aceitaram essa exposição quando participaram de projetos como o “Na humilde” ou o “Os três temores”; quando gravaram músicas como “Ainda ontem” e “Nova ordem”. Cito esses casos específicos porque o Projota tá nessa também e ele é muito mais Neymar do que Paulinho.
Aliás, é curioso que o “Pró”jota e o “homicida de MCs” (autoproclamações típicas dos Neymar da vida) estejam numa comparação com “o justo”. Se as comparações fossem de estilo/personalidade e não pela proximidade do passado, uma comparação melhor seria deste com o “guerreiro silencioso”. Rashid e Kamau têm estilos tão semelhantes de conduzirem as coisas que seria bem louco gravarem um CD juntos, não acham?
“A primeira diss” foi um reset no bagulho todo. Ela não tem os mais diversos níveis de técnica da “Apollo/Rude Bwoy“, do Amiri, mas sobra em criatividade e conteúdo. O poder de se destacar das duas músicas é bem semelhante e ambas ganharam muitos elogios entre os MCs, embora uma seja praticamente o oposto da outra.
Eu não colocaria minha mão no fogo por nenhum rapper, não entro nessa de representação, mas se fosse o caso, o Rashid estaria facilmente entre os primeiros da lista. É um cara que mantém o foco e a disciplina desde o começo; que não apenas se preocupa em chegar, mas como vai chegar, pra quem os fins não justificam os meios; que se preocupa com a mensagem que deixa nas músicas e nas suas atitudes.
Por isso, sempre que lembro os 12 discos que marcaram a minha vida, me pergunto por que não coloquei “Hora de Acordar” no meio. Definitivamente, marcou; basta ver a quantidade gigantesca de plays que dei, principalmente naquelas horas que cê precisa escutar uma parada que vai te fazer bem, vai te colocar pra cima. A grande maioria das músicas do Rashid parece ter esse propósito e se, em outras publicações, não pareceu que dei a ele os créditos merecidos, peço desculpas.
Acho que por acreditar tanto no seu trampo, acabo, mesmo inconscientemente, o cobrando mais do que faria com outros rappers. A real é que eu não conheço o Michel, mas independente de qual alcunha ele esteja usando, seja Moska, seja Rashid, seja qualquer outra que escolher, tenho certeza que ele continuará guiado e guiando pelo certo.
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