Desculpe o transtorno, preciso falar do Amiri

Atualizado em 15/01/2017

Lembro até hoje quando mataram o David e o Amiri se vingou. Tomou a cena com humor, flow, conteúdo e muita técnica nas rimas. “Êta Porra!” não era só uma boa novidade do rap, mas era de uma originalidade que eu arriscaria dizer que o rap precisava.

Lembro que descobri o single através de um tweet do Kamau. Depois, o EP chegou!; isso era 2012. Escuto até hoje sem problema algum, sempre tem uma linha que cê pode escutar de uma forma diferente, as skits, o auto-depreciamento, é um bagulho bem raro de se ouvir com essa qualidade.

Amiri tinha tudo para se tornar um dos grandes destaques; ser colocado entre os melhores, principalmente pela técnica apurada em seus versos. Foi então que quase o perdemos. Ele ainda não tinha 27, como algumas das grandes lendas da música mundial que se foram, mas tinha algo tristemente em comum com elas: a depressão.

Recentemente, em uma publicação na sua página no Facebook, o rapper revelou que tentou o suicídio várias vezes e que, por fim, tava na de esperar a morte mesmo e que definitivamente largaria a música. A ajuda de amigos, inclusive do Parteum, fez com que ele continuasse escrevendo e lançando. Isso foi em 2013/2014.

De lá pra cá, Amiri lançou alguns trabalhos, inclusive a “Um Mic”, uma das minhas favoritas. Como esta, algumas foram escritas e gravadas nesse período de dificuldades; outras vieram depois, já com a saúde mental em um melhor estado.

Quem acompanhou de fora, como eu, até poderia ter percebido a grande mudança no “EP Capítulo 4 (A caminho da origem)“, mas logo depois também veio o verso em “Mandume”, então parecia que tava tudo normal, parecia apenas um rapper fazendo algumas tentativas.

O grande baque foi há mais de dois anos, mas como a revelação foi recente, sentimos como se tivesse acontecendo agora e mudou tudo, até a forma como as novas rimas foram recebidas. “Apollo/Rude Bwoy”, que seria só a saída de um hiato de um ano de sons oficiais e o primeiro single do novo CD, se tornou tão esperado como se fosse o som que tirou o Amiri da depressão. Não era, mas bateu tão forte quanto.

O QUE ACABOU DE ACONTECER AQUI? ALGUÉM ANOTOU A PLACA DESSA MANADA DE ELEFANTES? Cê sabe que tem que ir parando a cada linha pra entender, mas vai deixando os “uou” dominar e só vai perceber bem depois que o bagulho cresceu e dominou tipo avalanche.

Talvez seja o conteúdo, as punchlines ou toda técnica e uma infinidade de jogos de palavras entre uma punch e outra; talvez seja tudo isso junto. Não vou fazer aqui o mesmo que fiz com aquele verso da Drik, até porque esse é bem maior e cê pode encontrar análises muito melhores pelo Youtube, mas senti a mesma incredulidade que senti depois da “O mundo em mim/Se encontrar“, do AXL, também na volta de um hiato, também uma “duas em uma”.

7 minutos para o fim do mundo. Só de ver os comentários, cê percebe que a brincadeira recomeçou. Vai ter um monte de MC rimando a partir disso, sobre isso e tentando superar isso. Que momento lindo pra se estar vivo; que homão da porra!

Eu cresci escutando Eminem e até diria estudando o cara. Não é que eu queira levantar polêmica alguma, mas sou só eu ou alguém aí também vê muita semelhança entre a lírica dos dois? Nem to falando de alguns versos parecidos (tipo “depois vi que eu nem tava dormindo” com “acordei, ainda rei”, da “Lighters”), mas desde as skits do primeiro CD, os jogos de palavras. Eu até iria mais além nas semelhanças, mas não quero deixar ninguém assustado.

Enfim, isso não importa, era apenas uma dúvida.

A questão é que fiquei grato pra caralho de poder escutar o Amiri novamente, ainda mais em sua melhor forma. Perdemos tantos artistas geniais de uma hora pra outra, sem saber o que realmente aconteceu, que é muito bom saber que ele está saudável e que sua lírica tá intacta. Torço pra que o Amiri sempre esteja ali pra vingar o David.

E, como definiria brilhantemente o Marcello Gugu, “quando alguém lhe falar sobre ansiedade, depressão, pânico, jamais menospreze. Não é por que você não vê uma crise, que ela não existe. Dê ouvidos, se faça presente; uma palavra pode definir se a próxima mensagem vai ser um bilhete de bom dia ou uma carta de suicídio. E isso não é uma poesia”.

Amem.

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