Por que o verso da Drik Barbosa, em “Mandume”, foi a melhor coisa que escutei em 2015

Atualizado em 08/03/2019

Pouca coisa tem me chamado atenção de verdade no rap nos últimos anos. Não sou um daqueles ignorantes que acha que a cultura tá morta, que não se fazem mais rappers como antigamente, e outros absurdos nessa linha. Prefiro acreditar que eu tenha escutado muita coisa em pouco tempo e tenha “enjoado” de certos quesitos ou simplesmente que tô ficando velho demais pra certos papinhos rimados.

É bem verdade que me afastei bastante no ano passado; o site aqui ficou praticamente parado. No entanto, nada disso importa quando um verso de alta qualidade cutuca seu ouvido. A cadeira ainda faz o mesmo barulho ao bater no chão depois que você se levanta muito rápido berrando “UOU”.

O verso da Drika Barbosa, em “Mandume”, do CD “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa”, do Emicida, teve esse efeito. Eu não sou nenhum especialista ou estudioso da arte da escrita de rap. Sou apenas um admirador. Mas, pra mim, de longe, essa foi a melhor coisa que escutei em 2015.

“Sou Tempestade, mas entrei na mente tipo Jean Grey”

Essa linha é incrível em todos os níveis possíveis. Além de um sentido literal já grandioso, no qual ela se coloca com a força de uma tempestade penetrando a mente das pessoas através do seu som, tem toda questão óbvia do X-Men. Primeiro, ela não só cita como engrandece duas das poucas heroínas desse grande universo masculino (mais um). Segundo, ela reforça o orgulho pela sua cor e a importância da representação ao se retratar como a personagem negra. Terceiro, somado ao significado literal, ela ainda deixa tudo nos conformes em relação a atuação das personagens na história.

“Desde a Santa Cruz, playboys deixei em choque tipo Racionais, ‘Hey boy!'”

“Como assim eu não posso ser sensei? Eu batia nesses cuzão todo sábado à noite”. Se esses playboys acham que minas num rimam, ela deixa eles em choque sendo melhor que a grande maioria. Pensou que mal ia sair um verso, saiu uma metralhadora. Referenciar Racionais é clássico; referenciar “Hey boy!” é… caraaaaai.

“Tanta ofensa, luta intensa, nega a minha presençaChega! Sou voz das nega que integra resistência

Um primor. Colorido dá pra ver melhor a técnica apurada. Multi-silábicazinha, de leve.

“Sistema é paia, gasta, arrasta Cláudia que não Raia”

Gosto dessa linha porque ela envolve perfeitamente duas questões: volta a destacar o já esquecido caso da Cláudia, arrastada por uma viatura depois de levar um tiro; e critica o sistema por tratar como lixo as pessoas que não são famosas, não tem grana, as Cláudia que não são Cláudia Raia. Gênia.

“Feminismo das preta bate forte, mó treta. Tanto que hoje cês vão sair com medo de bu****”

Noooossa. Aqui tem um pouco pra cada um. Importante ressaltar o feminismo negro; se é foda ser mulher, imagina ser mulher negra. A ideia de que o poder feminino tá “batendo tão forte” que os homens vão ficar com medo até de sexo é de um simbolismo poderoso. Ainda mais quando fecha com o uso, mesmo que alusivo, da palavra “boceta”, um tabu gigantesco na nossa sociedade. E eu nem vou ser cruel de sugerir que por ela também ser a “única boceta” da faixa, ela tava dando indireta pros coleguinhas porque não quero plantar discórdia entre os irmãos. MAS, em outros tempos, outros MCs, quem sabe…

Gosto assim. Poucas linhas foram desperdiçadas só pra encaixar outras mais certeiras. O flow tava bonitão também, nada de floreio desnecessário. Incisivo, como o verso pedia. E a ginga? Ela falou que gingou, não falou? Gingamos juntos!

“Ah, mas os outros rappers também mandaram muito bem, você não vai falar?”. Sim, é verdade. Dalasam quase fez eu cair pra trás; Muzzike sempre tira umas punch não sei da onde que ficam na minha cabeça por anos; Amiri foi de uma agressividade admirável, muita técnica também; esperava mais do Alaafin (Retratação atrasada em 2019: hoje eu entendo o verso do Alaafin de uma forma diferente, vai na ferida de um jeito ímpar; uma pena eu ter demorado tanto pra compreender e ter divulgado de uma forma abaixo do que merecia); e o Emicida foi um sólido anfitrião.

E toda essa qualidade só valoriza ainda mais o verso da Drik, por se destacar no meio desses caras. Isso me lembra quando a Flora fez o mesmo com o AXL e o MV Bill. Se alguém tiver contando, tá 2 a 0 pras bocetas. Fiquem com muito medo!

2 Comentários

  1. Argolo
    08/11/2016
    Responder

    Pesaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaada a análise do verso! Flora, em “Não,Mano!” foi só pedrada tbm.

  2. Leandro
    01/09/2017
    Responder

    A critica ta tao boa quanto a musica.
    O rap é um dos melhores que ja ouvi.
    Nao consigo parar de ouvir pra entender a letra a fundo, com sua analise ficou mais facil
    Valew d+

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