Atualizado em 29/04/2014
Acredito que esta tenha sido uma das resenhas mais difíceis de serem iniciadas. Primeiro, porque são tantas coisas pra falar que simplesmente não sabia por onde começar. Segundo que o trabalho começa de uma maneira tão intensa que você, ao fazer uma representação do mesmo com sua opinião, sonha em fazer algo parecido. Não dá; desisti e resolvi juntar umas palavras.
Gil Scott Heron é abrir com chave de ouro; é o primeiro indício de que Gugu não iria se preocupar muito com os padrões. Alguns poderiam argumentar que, musicalmente, é uma música sem muitos atrativos visto que é uma batida mais “simples” e um ritmo mais falado mesmo.
Exatamente o que, pra mim, torna o som incrível. Imagina o poder do conteúdo e da fala pra algo tão “simples” se tornar tão poderoso. Marcello traça uma linha histórica do Hip Hop, mais especificamente do RAP, e descreve a cultura não só nas citações de nomes que a construíram, mas principalmente nos valores que ela tanto cultiva: diversão, paz, união e principalmente amor.
“Pra eles, tanto faz se a gente se matar entre nós ou viciado em crack. Pra eles, foi um a menos; pra nós, foi Tupac” foi o suficiente pra sentir um frio arrepiante na espinha em plenos 35 graus de verão.
Aliás, Gil Scott Heron representa tanto o trabalho que duas de suas principais características se repetirão algumas vezes durante o disco: a valorização clara da palavra e a utilização de um personagem.
Quanto à primeira, podemos revê-la de forma mais destacada, por exemplo, nas faixas Indireta, Herói, Avião, Platoon e Santa Cruz. Skit é normal nos CDs de RAP, mas skit de 6 minutos é coisa de Marcello Gugu. Não só isso, em boa parte delas, ele abandona completamente a rima. RAP é ritmo e poesia, não ritmo e rima, lembra?
Quanto à segunda, ela aparece em dois formatos diferentes, mas se espalha praticamente pelo CD todo. Ou Gugu se coloca na pele de um personagem, como o próprio Hip Hop e a Batalha do Santa Cruz; ou o rapper cria a música inteira descrevendo um personagem/pessoa, como a sedução das gravadoras na Miss Hollywood, seu bairro na Ipiranga, mulheres revolucionárias na Evita, garotas de programa na Nomes de Menina, a morte em Linda de Morrer, um nordestino (ou o próprio Nordeste) migrando pra São Paulo na Herói.
– Gugu Genius: rapper explica e revela detalhes sobre músicas do “Até que enfim, Gugu!”.
Provavelmente, esqueci algum personagem, mas acredito que já posso concluir meu ponto nessa questão: em poucas vezes Marcello Gugu fala do “Eu” (sem ser na pele de um personagem), tão utilizado pela maioria dos rappers hoje em dia. A Kariri, que fala de bebida, é um perfeito exemplo disso. Entre expressões e conjugações dos verbos, o Diego Primo utiliza quase que uma vez por verso (não fiz a conta exata); Gugu vai usar sua primeira vez lá pro fim da sua estrofe.
O porquê disso? Eu não saberia dizer. A verdade é que rappers cantam a vida; cantam as coisas ao seu redor. A maioria utiliza suas próprias experiências (ou é isso que querem passar) para narrar as histórias. Enquanto muitos acham esse excesso de “eu” um problema, eu já acho que a facilidade do ouvinte em moldar sua história nas dos rappers “acerta” tudo.
Parece ser apenas uma decisão poética do Gugu (lembra o que eu falei sobre a fuga do padrão no começo?). Até porque, se cada um de nós tem uma verdade diferente sobre as coisas, o simples fato de o rapper contar aquelas histórias, daquela maneira, mesmo que sob o ponto de vista de um personagem, já conta um pouco de si e da sua opinião pessoal sobre o mundo ao seu redor.
Enfim, Marcello Gugu fez o que todo rapper deveria: não escondeu seus versos atrás de uma batida. Acredito que as batidas são fundamentais ao facilitar a penetração da música no mercado e, consequentemente, no ouvido de mais e mais pessoas. No entanto, existem muitos MCs maquiando seus versos medíocres em ótimos beats apenas pra que o ritmo e algum refrão chiclete grude na cabeça e transforme aquilo num hit passageiro.
É claro que se você tirar as batidas das músicas do “Até que enfim, Gugu”, você vai ter um resultado completamente diferente, mas em nenhum dos sons vocês as vê o engolindo; batidas (em um RAP) precisam ser como uma linda paisagem em uma foto para destacar o que há de mais importante na passagem do rapper por ali: seus versos.
Neste caso, os versos irradiam uma força tão grande que se destacariam mesmo em uma foto apagada sem filtros do Instagram (pra continuar a metáfora). Entretanto, o rapper conseguiu reunir paisagens que amplificassem essa irradiação sem tomar seu espaço. Ele não foi à Torre Eiffel, ao Big Ben ou às Pirâmides do Egito; fotografou lugares simples que se tornaram pontos turísticos após a presença de seus versos.
Se uma foto vale mais do que mil palavras, quanto será que vale esse álbum (há!) do Marcello Gugu? Até que enfim, não, graças a (insira sua crença aqui).
– Faça o download oficial da mixtape “Até que enfim, Gugu”.
Até que enfim, Gugu! – Marcello Gugu
- Gil Scott Heron (prod. DJ Duh)
- Miss Hollywood (part. Drik Barbosa | prod. DJ Duh)
- Jimi (prod. Marcello Gugu)
- Ipiranga (prod. DJ Duh)
- Soldados (part. Lenda ZN | prod. Léo Cunha)
- Guerreiros andam só (prod. Marcello Gugu)
- Evita (part. Drik Barbosa | prod. Rodrigo Chiocki)
- Paris (prod. DJ Duh)
- Kariri (part. Diego Primo e Drik Barbosa | prod. DJ Duh)
- Nomes de menina (part. Garcez DL (prod. DJ Duh)
- Segundas intenções (Ui) (part. Leitty MC e Drik Barbosa | prod. DJ Duh)
- Cão (part. Filiph Neo | prod. DJ Duh)
- Deixa o tempo dizer (prod. DJ Caique)
- Indireta (skit) (prod. Jhow Produz)
- Meu anjo (prod. DJ Caique)
- Linda de morrer (part. Drik Barbosa e Marli Bortoletto | prod. DJ Duh)
- Herói (skit) (part. Sergio Ribeiro | prod. DJ Duh)
Bônus
- Avião (skit) (prod. Dhigo Beats)
- Beira D’Avenida (part. Flow | prod. KJ Beats)
- Deus abençoe (part. ORIgame e Drik Barbosa | prod. A.D. Beats)
- Platoon (skit) (prod. DJ Duh)
- Por linhas (prod. Léo Cunha)
- Santa Cruz (skit) (prod. Léo Cunha)
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