Atualizado em 07/03/2019
Eu tava lendo esses dias um livro chamado “O ponto da virada: como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença“, do Malcolm Gladwell, e nesse livro, entre outras coisas, constava um experimento liderado por um professor de psicologia e conduzido na Universidade de Stanford, nos EUA.
O experimento constava basicamente em transformar pessoas comuns em prisioneiros e carcereiros em uma prisão fictícia. Todo o ambiente e o dia a dia de uma prisão eram imitados.
Essa realidade era tão dominante que mesmo as pessoas que pareciam mais calmas, começaram a se tornar autoritárias e agressivas na posição de guardas e a aceitar a submissão e fazer greves na posição de prisioneiros.
Duas pessoas desistiram em menos de 2 dias e o estudo todo foi parado em apenas 6 dias, muito antes do que estava programado, devido às ações dos experimentados.
O estudo não tinha a ver com prisões em si, eles queriam provar que o ambiente em que a pessoa habita pode sim mudar o comportamento dela. Não é a única coisa que influencia e talvez não seja a mais importante, mas influencia.
Agora, se esse aumento todo da agressividade aconteceu em um estudo em que os estudados sabiam que era tudo vigiado, era “tudo planejado”, ou seja, em teoria, eles sabiam que não estavam correndo um risco sério, imagine em uma prisão de verdade?
“É preferível morrer que ficar preso”
Essa afirmação em destaque foi feita pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em 13 de novembro de 2012 e que também é título de um artigo do Frei Betto pro Brasil de Fato.
Betto descreve no artigo diversos problemas do sistema judiciário e das prisões no país, focando nas cadeias superlotadas, com mais de 200 mil presos acima do “permitido” e com pelo menos 36 mil que já deveriam ter sido liberados.
Vale ressaltar aqui também uma publicação do Roldão Arruda, para um blog do Estadão, em que ele relata que três ONGs querem conversar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para buscar uma solução para o sistema carcerário do estado, visto por eles como “medieval”.
Em geral, são problemas que TODO MUNDO sabe que acontece, mas que muitos preferem ignorar por pensar que “são criminosos e merecem” ou por simplesmente não se importar, desde que não seja com alguém da família, é claro.
Ainda há esperança…
É claro que, em meio a toda merda que o governo tem feito, há pessoas com ótimos projetos para realmente fazer a diferença. Uma delas, é o Dexter, ex-integrante do 509-E e um dos mais respeitados rappers brasileiros.
Com o projeto “Como vai seu mundo?”, o rapper, que já cumpriu pena, leva música e cultura para os detentos em regime semi-aberto de diversas prisões do país. O projeto dá uma nova perspectiva aos detentos, ajudando na ressocialização.
Outro projeto que parece ser bastante interessante é realizado em Joaçaba, Santa Catarina. Chamado de “Reeducação do Imaginário“, nele os presos leem um livro por mês, comentam sobre o que entenderam em uma entrevista e aqueles que mostrarem compreensão do conteúdo poderão ter a pena reduzida em até 4 dias.
Nem preciso dizer o quanto a educação, a leitura e a cultura são importantes para o dia a dia das pessoas, para deixá-las de bem com a vida, mais confiantes e muito mais preparadas para os desafios.
E agora?
Cresci ouvindo e por consequência acreditando que se a pessoa está presa, se ela cometeu um crime, então ela realmente merece tudo de ruim que acontecer com ela e que as cadeias deveriam ser até piores do que muitas vezes são. Um pensamento comum para uma sociedade em que se tenta fazer um filho parar de chorar a pauladas, aplicando mais dor nele.
A “medieval” tática do ensinamento pelo medo. Cê vai bater tanto no seu filho que ele vai parar de mostrar que está doendo por ter medo de você bater mais? Ou será que ele vai engolir o choro, ficar com raiva de você e descontar em uma próxima ocasião (até em outras pessoas).
E é isso que acontece nas prisões pelo país. O detento entra porque cometeu um crime, o sistema carcerário aplica uma “dor terrível” nele e o libera achando que ele aprendeu. Tudo bem, há casos que o detento fica com tanto medo da prisão que passa a seguir a lei, mas no mínimo vai ser uma pessoa completamente diferente do que poderia.
E, pior, na maioria dos casos, a raiva acumulada dentro da prisão os torna ainda mais agressivos e revoltados, podendo não só cometer crimes, mas uns piores. Eles não farão esforço extra pra não cometê-los, mas sim para não serem pegos novamente!
E o governo mostra o seu total despreparo quando, mais uma vez, aplica um tapa-buracos em vez de tentar realmente melhorar a situação. Não só não investe na ressocialização dos detentos, como investe o dinheiro da educação na construção de novos presídios. Uma idiotice sem tamanho!
Por que você vai querer construir mais presídios se com o mesmo dinheiro você pode evitar que muitas daquelas pessoas sejam sequer detidas?
É claro que educar, oferecer serviços públicos de qualidade, acesso à informação e à cultura não prevenirá TODOS os crimes do país, mas pode ter certeza que muitos. Muitos criminosos se tornam criminosos pela falta de oportunidade. Não teve educação, vai procurar um trabalho, não acha um trabalho, se vê em uma situação complicada, encontra a “única saída”.
Eu sei, muitas pessoas nasceram nessa situação e mesmo assim deram a volta por cima (e essa deve ser a defesa de muitas pessoas que são contra qualquer ajuda aos detentos), mas não podemos pensar assim. A exceção não pode ser vista como a regra; a nossa luta deveria ser por igualdade social, por um padrão de bem-estar médio para todos.
Vivemos em uma sociedade e assim sendo todos deveríamos ter o mesmo direito, independente de nascer no centro da cidade ou na periferia. Ainda mais sob a visão do governo, que recebe os nossos altos impostos e faz nada. É responsabilidade dele oferecer pelo menos o básico; o mínimo para alguém ter uma vida decente.
Aliás, a melhor maneira de criar cidadãos decentes é oferecer a eles uma vida decente. Se o governo continuar tratando o país como uma selva e boa parte de seus habitantes como animais selvagens, não deveria ser surpresa quando eles começassem a agir sem lei alguma, praticassem ações drásticas pra demarcar território e colocassem o instinto de sobrevivência à frente de qualquer pensamento coletivo, certo?
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