Quem ganha mais com as diss: a mídia, o público ou os rappers?

Atualizado em 15/01/2017

Uma diss, abreviação de “disrespect”, pode ser abrangente como uma linha ou específica como uma música inteira. Eu não gosto de taxar qualquer zoação como “diss”, ainda mais depois de terem banalizado a expressão, mas como só sente quem sofre, o desrespeito pode estar mesmo em qualquer zoação.

De qualquer jeito, as diss são tão antigas no hip hop como o próprio hip hop, provavelmente. E podem ser tão grandes como a rixa Tupac x BIG. No Brasil, ainda não rolou nada assim e com tão devastas consequências, mas Marechal e Cabal, MV Bill e Pregador Luo, Nocivo e Emicida, Zap-san e Projota, Costa Gold e Terceira Safra são algumas que lembro.

A mais recente é toda treta originada a partir da “Sulicídio”, dos nordestinos Baco e Diomedes, que, pelo amor de Brown, nem é uma diss. Os caras fazem uma crítica a um sistema que exalta quase que exclusivamente o que é lançado no eixo Rio-São Paulo; eles citam e tiram uma onda com nomes da região, mas não é algo contra estes nomes, se fosse há 10 anos, iam ser outros, não é pessoal com aqueles caras em questão.

Entretanto, como era de se esperar, alguns se doeram com o que foi falado e resolveram lançar respostas. O Costa Gold veio logo na sequência com “SulTaVivo” e, mais recentemente, o Nocivo Shomon lançou a “Disscarrego”.

Como meu ponto não é tanto o conteúdo das letras, vou deixar para outra publicação as linhas que lembram muito os mitos do racismo e da xenofobia reversos. A questão é que parece que nenhum dos rappers envolvidos ficou realmente puto com qualquer coisa ou se sentiu realmente ofendido, eles só queriam não parecer fracos perante seu público e também aproveitar todo barulho que a “Sulicídio” tinha gerado pra aparecer mais um pouco.

Aliás, todo esse barulho fez muita gente criticar os rappers nordestinos por terem usado o nome de vários caras populares na cena pra se promoverem e também fez muita gente criticar a mídia do hip hop por ter dado destaque a essa parada.

Quando o Vai Ser Rimando era um site de notícias do hip hop, eu notava facilmente como certas publicações eram recebidas de forma bastante diferente pelo público. Quando eu postava algo do, vamos dizer, Trilha Sonora do Gueto, normalmente ninguém comentava, rolava umas curtidas discretas. Já quando eu postava uma nova rima do Nocivo contra o Emicida ou qualquer outra polêmica, chovia de comentários e visualizações.

O curioso era ver os comentários que agrediam o mensageiro, como se fosse culpa do site aquilo estar acontecendo. Sem contar a velha reclamação do “vocês só publicam polêmicas, por que não aproveitam esse espaço pra divulgar grupos de rap desconhecidos?” e afins, embora quando a gente fazia isso, ninguém lia.

O pior é que esses comentários, dentro dos algoritmos do Facebook, mostravam que as pessoas tavam engajando bem com a notícia, então fazia ela alcançar mais pessoas. Já a falta de engajamento em outros posts de “rappers desconhecidos”, como era sugerido, fazia com que ninguém os visse. O que sempre fazia eu me perguntar: será que é mesmo a mídia que atrai o público pras polêmicas ou é o público que destaca essas polêmicas nas mídias?

É aquela velha questão de quem veio primeiro: o ovo ou a galinha. Até porque, a própria existência dessas polêmicas são atreladas a ideia de que o público vai colar em peso. Ninguém faz uma diss pra uma pessoa desconhecida que encontrou na rua; os caras só responderam a “Sulicídio” porque a parada tava fazendo barulho.

O que me deixa bolado por dois motivos. Primeiro porque os caras transformaram uma questão bastante pertinente e importante de ser discutida, que é a exaltação sem tamanho do eixo Rio-São Paulo em detrimento dos outros estados, em uma questão de MC x MC. O pior de tudo isso ainda é que, como diria o Neto, “nosso sopro é um tufão lá, tio“. Como será que os jovens tão recebendo essa parada?

Eu não gosto muito de colocar nos ombros dos rappers as consequências negativas de suas linhas porque tem muita gente idiota precisando de desculpa pra fazer coisas idiotas, mas ler um depoimento sobre uma briga de um moleque paulista com um colega nordestino por causa dessa treta me fez pensar o quão triste isso tudo tinha se tornado.

E é bem provável que esse tenha sido apenas um relato entre tantos que devem existir por aí porque o som do Costa Gold tem mais de 2 milhões de views, enquanto o do Nocivo passou dos 700 mil em menos de uma semana. Este é o segundo ponto que me deixa bolado: por que o novo som do Amiri tem tão poucos views em relação ao do Nocivo, sendo que os dois lançaram praticamente no mesmo dia e ambos têm uns 7 minutos?

Nada contra “Disscarrego” ter essa montoeira de views. Por mim, todos os raps começariam daí. Mas, a diferença absurda é que não me desce. E nem é que eu to querendo comparar as duas em qualidade ou querendo dizer que view significa qualidade, mas se o barato é rap, por que tão poucas pessoas tão ouvindo “Apollo/Rude Bwoy”?

O single do Amiri é uma puta aula de rap, facilmente uma das melhores faixas do ano. Uma aula de técnica e flow em cima de um beat incrível do Deryck. O rapper tinha lançado alguma recentemente depois de um hiato, mas esta definitivamente marca sua volta. Muito apreço pelas letra. “Resetou o barato”, como definiu o Emicida.

Então, será que a parada é o rap mesmo? Ou será que tamo criando mais fãs de rapper do que fãs de rap? Pra quem é fã de rap, uma diss é puro divertimento, é engraçada, é conversa pra jogar fora numa mesa de bar; pros fãs de rapper, uma diss pode resultar numa catástrofe.

Pra um fã de rap, o hip hop é coletividade; o hip hop transmite um conhecimento que nos permite debater as diferenças em vez de bater nos diferentes. Pros fãs de rapper, hip hop é uma dança ou as músicas da Beyonce. O fã de rap escuta um som e conclui se acha ele bom ou ruim; o fã de rapper só escuta som do rapper favorito e da “banca” e sai por aí falando mal dos sons dos desafetos do cara.

Eu não acho que as diss sejam responsáveis pela grande quantidade de fãs de rapper e a pouca de fãs de rap; eu nem sou diretamente contra elas, mesmo a maioria sendo desnecessária e grande parte do público não sabendo como recebê-las (exatamente porque a maioria é fã de rapper e não de rap).

Mas, no fim das contas, acho que ficamos sem resposta pra pergunta do título. Eu, pelo menos, não saberia dizer se é a mídia, o público ou os rappers que ganham mais com as diss. Aliás, acho que, se for marcar, a resposta é ninguém; pelo que deu pra perceber, acho que tamos todos perdendo e perdidos.

2 Comentários

  1. Xandao
    26/10/2016
    Responder

    Boa questão, diversos pontos de vista mas…
    Fomentar o assunto nada mais é do que divulgar, e isso todos estamos fazendo muito bem (inclusive este site, a qual vi bastante coisa nessa linha).
    Essa questão que você levantou é importante se levarmos em consideração ao crescimento da cena, mas não te preocupas mais o fato de que todos (TODOS) tentam direcionar como a cena deveria ser?
    Acho que a parada tá assim por que o rap no Brasil é o gênero musical com menos fãs…. Calma calma,. Explico… Hoje grande parte da audiência do rap acha que pode fazer rap ou que é um grande entendedor do gênero, e isso está gerando “professores” que fazem de suas opiniões a grande verdade, apontando quem presta e quem não presta.
    Sem citar nomes, vemos isso acontecer frequentemente, mas particularmente eu acho que essas avaliações deveriam ser pessoal, a não ser que você mude com o seu trampo.
    Espero nunca perder essa visão, certa ou errada, mas que me faz ver uma diss e achar foda, descobrir um som novo e não ficar comparando com outros, de ouvir com a mente aberta a velha escola em novos experimentos, e de principalmente, não ficar julgando que é verdadeiro ou falso.
    Chega de punir a criatura(música) ao invés do criador(artista).

    • \/ila/Vova
      17/11/2016
      Responder

      Guilherme Junkes, bom dia!

      Cara, acerca de sua opinião acima eu só tenho a dizer uma palavra: Perfeito!
      Na minha humilde opinião, hoje os “fãs” de RAP querem “fazer parte” do movimento mas de uma maneira totalmente errada, achando que estão contribuindo.
      Essa nova geração escuta uma Sulicídio e nem ao menos tentam interpretar a ideia e já correm para a net “descurtir” o vídeo e atacar quem está lutando em prol de algo. Sinceramente, Baco e Chinaski, ambos possuem umas músicas muito boas e se não fosse Sulicidio ninguém os conheceria. Mas, idolatrar um cara como Nocivo que só apareceu no RAP por atacar os outros e até hoje ataca para se promover, de boa mano, isso não é ser fã de RAP, é ser massa de manobra.
      Faça o teste, escreva uma critica ao Nocivo sobre suas atitudes em alguns de seus meios de comunicação, ele apaga e bloqueia. Mas se idolatrar, fica.
      Para mim o único cara mais contraditório no cenário RAP é o Nocivo. Cobra respeito mas apaga comentário dos fãs, diz que luta pela paz mas só apareceu porque usou da guerra, diz que não tolera ataques porque exige respeito mas nasceu, vive e morrerá atacando os outros para se auto promover, acusou Emicida de ter enviado “capangas” para bater nele próximo de um show que ele foi fazer na Norte/SP mas não comenta membros de sua banca agredindo o Baco em Salvador. How man, pelo amor né, menos hipocrisia e mais som. Quero nos fones mais AMIRI, EDUARDO, GOG, DOW RAIZ, ATENTADO NAPALM, UM BARRIL DE RAP, TSG, SHAWLIN, MARECHAL, ORIENTE-RJ, RAPADURA, SINTESE, 3030, FAROESTE RAP, RACIONAIS MCS entre outros que fazem a diferença. Quero menos moda e “Rappers” falando bosta para ganhar views.
      Queira desculpar o desabado e agradeço pela oportunidade!
      Continue com esse belo trabalho. Parabéns!

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